A Rússia intensificou neste sábado (19) sua ofensiva contra a Ucrânia, anunciando o uso, pela primeira vez, de mísseis hipersônicos, enquanto o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, declarou que era hora de Moscou aceitar "conversar" seriamente sobre a paz.
O ministério da Defesa russo garantiu que no dia anterior havia usado mísseis hipersônicos "Kinjal" para destruir um depósito de armas subterrâneo no oeste da Ucrânia, algo sem precedentes, segundo a agência estatal Ria Novosti. Esse tipo de míssil desafia todos os sistemas de defesa antiaérea, segundo Moscou.
A Rússia nunca havia informado sobre o uso deste míssil balístico em nenhum dos dois conflitos em que participa — Ucrânia e Síria.
Em dezembro do ano passado, o presidente russo, Vladimir Putin, disse que o país era o líder global em mísseis supersônicos, cuja velocidade, capacidade de manobra e altitude os tornam difíceis de rastrear e interceptar.
Os mísseis Kinjal, especificamente, fazem parte de uma série de armas reveladas em 2018. Ainda de acordo com as autoridades russas, eles possuem um alcance de até 2 mil quilômetros e voam a 10 vezes a velocidade do som.
Konashenkov acrescentou que as forças russas também destruíram rádios militares e centros de reconhecimento perto da cidade portuária ucraniana de Odessa, usando o sistema de mísseis costeiros Bastion. A Rússia usou a arma pela primeira vez durante sua campanha militar na Síria em 2016.
O presidente Zelensky, por sua vez, considerou que "as negociações sobre paz e segurança na Ucrânia são a única oportunidade que a Rússia tem de minimizar os danos causados por seus próprios erros".
"É hora de nos encontrarmos. É hora de conversar. É hora de restaurar a integridade territorial e a justiça para a Ucrânia", reiterou o chefe de Estado em um vídeo filmado à noite em uma rua deserta de Kiev e postado no Facebook. "Caso contrário, as perdas para a Rússia serão tais que levará várias gerações para se recuperar."
Desde o início da invasão russa na Ucrânia, em 24 de fevereiro, Kiev e Moscou realizaram várias rodadas de negociações, pessoalmente e por videoconferência. A quarta começou na segunda-feira.
O chefe da delegação russa falou, na noite de sexta-feira, sobre uma "conciliação" de posições sobre a questão de um status neutro para a Ucrânia — semelhante ao da Suécia e da Áustria — e avanços na desmilitarização do país. No entanto, ele também disse que há "nuances" para discutir sobre as "garantias de segurança" exigidas pela Ucrânia.
Mas um membro da delegação ucraniana, o conselheiro presidencial Mikhailo Podoliak, alertou que as "declarações do lado russo são apenas o começo de suas exigências".
"Nossa posição não mudou: cessar-fogo, retirada das tropas (russas) e fortes garantias de segurança com fórmulas concretas", tuitou.
"O inferno"
No terreno, o ministério da Defesa russo afirmou que destruiu centros de rádio e inteligência perto de Odessa, em Velikodolinske e Veliki Dalnik, no sul da ex-república soviética.
A Ucrânia, por sua vez, admitiu neste sábado que perdeu "temporariamente" o acesso ao Mar de Azov, apesar de a Rússia controlar de fato toda a Costa desde o início de março e o cerco da cidade portuária estratégica de Mariupol.
Além disso, o Exército russo afirmou na sexta-feira que conseguiu entrar e lutar no centro da cidade ao lado de tropas da "república" separatista de Donetsk.
Segundo o assessor do ministério do Interior ucraniano, Vadim Denisenko, citado pela agência Interfax-Ucrânia, a situação é "catastrófica" em Mariupol.
"A luta acontece pela Azovstal", uma grande siderúrgica nos arredores da cidade. "Uma das maiores siderúrgicas da Europa está sendo arruinada de fato", lamentou.
As autoridades ucranianas acusaram a Força Aérea russa de bombardear "deliberadamente" o teatro de Mariupol na quarta-feira, o que a Rússia negou. Em um abrigo antiaéreo sob este edifício havia "mais de mil" pessoas, principalmente "mulheres, crianças e idosos", segundo a prefeitura deste porto do Mar de Azov.
Zelensky disse que mais de 130 sobreviventes foram retirados dos escombros. "Infelizmente, alguns sofreram ferimentos graves. Mas, neste momento, não temos informações sobre possíveis mortes", declarou, explicando que "as operações de resgate continuam".
As famílias que conseguiram fugir da cidade contaram que os cadáveres ficavam dias nas ruas e que à noite se refugiavam nos porões, com temperaturas abaixo de zero, fome e sede.
— Não é mais Mariupol, é o inferno — disse Tamara Kavunenko, de 58 anos. — As ruas estão cheias de cadáveres de civis — acrescentou.
Segundo Zelensky, graças aos corredores humanitários estabelecidos no país, mais de 180 mil ucranianos conseguiram escapar dos combates, incluindo mais de 9 milpessoas de Mariupol.
— Mas os ocupantes continuam a bloquear a ajuda humanitária, especialmente em áreas sensíveis. É uma tática bem conhecida. (...) É um crime de guerra — alertou.
De acordo com o Ministério Público Federal da Ucrânia, uma jornalista ucraniana da emissora Hromadske foi sequestrada pelas forças russas em Berdyansk, e está "desaparecida".
Desde 24 de fevereiro, mais de 3,2 milhões de ucranianos partiram para o exílio, quase dois terços deles para a Polônia, às vezes apenas uma etapa antes de continuar seu êxodo.
Segundo contagem de 18 de março do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), ao menos 816 civis morreram no país e mais de 1.333 ficaram feridos. O organismos acredita, porém, que o número real seja superior.