Por Aidir Parizzi Jr.
Engenheiro, autor de “Mar Incógnito” (BesouroBox, 2022)
O tsar Pedro I, o Grande (1672-1725), fundador de São Petersburgo, liderou campanhas militares de expansão do território russo enquanto estimulava esforços de modernização que transformaram a Rússia em um vasto império com influência vital na economia e política da Europa.
Em 1696, depois de criada a Armada Russa, tropas de Pedro avançaram por terra e pelos rios Don, Volga e Voronezh para tomar o Porto e a Fortaleza de Azov, construídos pelo império turco otomano em 1475, obtendo assim um estratégico acesso ao Mar Mediterrâneo, via Mar de Azov e Mar Negro. Desde o Tratado de Belgrado, de 1736, Azov é reconhecida como parte da Rússia.
A sede por portos “quentes” do Mar Negro sempre esteve presente na região. Vladimir Putin mantém em seu gabinete uma foto do pai em traje militar, lembrando a todos, com orgulho, que o velho Putin serviu à Marinha no estratégico Porto de Sevastópol, na disputada Crimeia, península cedida por Nikita Kruschov à nação ucraniana durante o período soviético e hoje ocupada pela Rússia.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Hitler se aproximou dos ucranianos por meio do ultranacionalista Stepan Bandera, que fomentava o ódio aos soviéticos naquela região. A Ucrânia, por seus movimentos de independência no início dos anos 1930, havia sido punida cruelmente por Stalin com o Holodomor, um grande período de fome que matou milhões de ucranianos. O Führer, aproveitando-se da ingenuidade e do desespero dos ucranianos, prometeu livrar Kiev do jugo soviético em troca da colaboração local. Nada disso justifica, mas pode explicar a simpatia de uma minoria ucraniana pelas atrozes ideias nazistas.
O Batalhão de Azov é um grupo que surgiu em Mariupol, Ucrânia, no início deste século, como organização paramilitar de extrema-direita, com evidente tendência neonazista, até mesmo nos símbolos, como o Wolfsangel. Andriy Biletsky, primeiro comandante e mais tarde parlamentar do braço politico do grupo, liderou anteriormente a organização Patriotas da Ucrânia. Ele afirmava que a nação ucraniana tem a missão de liderar raças brancas do mundo em uma cruzada final contra o que chamam de Untermenschen (“sub-humanos”) semitas. O apoio financeiro do grupo sempre foi garantido por oligarcas ucranianos, alguns deles próximos ao presidente Volodimir Zelensky.
No final de 2014, o Azov foi incorporado à Guarda Nacional Ucraniana, embora seja formado por mercenários de mais de 40 países, incluindo membros de grupos supremacistas brancos norte-americanos e até alguns brasileiros. A organização luta contra separatistas russos em Donbas há oito anos. Os líderes deixam claro que não odeiam os russos, mas não consideram Vladimir Putin como um líder russo, e sim um líder judeu. Estranhamente, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de ascendência judaica, não recebe a mesma aspereza do Azov.
Nos últimos dias, o Ocidente iniciou o envio maciço de armas à Ucrânia, distribuídas a militares, paramilitares e civis. De forma parecida, no Afeganistão, o Talibã tomou força e acabou se voltando contra seu criador (patrocinador), os Estados Unidos. Putin é um autocrata pseudotsarista, megalomaníaco e cruel. Nesse conflito, contudo, ele é apenas um dos problemas em uma disputa regional que já dura séculos.
Putin é um autocrata pseudotsarista, megalomaníaco e cruel. Nesse conflito, contudo, ele é apenas um dos problemas em uma disputa regional que já dura séculos.
Vale citar aqui outro líder russo, do período em que eu vivi em Moscou: o beberrão Boris Ieltsin, que, para se livrar de acusações de corrupção, entre outros motivos, concordou em retalhar a URSS, criando, sem a preparação adequada, vários Estados independentes, entre eles a Ucrânia.
Ucranianos e russos poderiam viver harmoniosamente, inspirados naquilo que os une desde o tempo em que Kiev era uma cidade muito mais importante do que Moscou (Kievan Rus): a semelhança das línguas, os intercâmbios musicais e literários, o alfabeto cirílico comum e a religião cristã ortodoxa que compartilham e acreditam ter sido fundada pelo mais antigo apóstolo, Santo André, em suas jornadas pelas colônias gregas ao norte do Mar Negro. A Catedral de Santo André, em Kiev, é o local onde o santo teria colocado uma cruz, às margens do rio Dnipro, iniciando a cristianização de todos os eslavos.
É impossível tentar explicar séculos de história em uma região tão vasta e complexa do Leste Europeu e Ásia Central, até porque não sabemos sobre muitos aspectos que seriam relevantes para uma melhor compreensão. Resta-nos torcer para que diplomacia e justas concessões nos livrem dos horrores da guerra, em todos os pontos de conflito e agora, especialmente, na Ucrânia, onde o risco de escalada global é estarrecedor. Ajuda-nos, Santo André.