Carlos Eduardo Santos Pinho e Marilia Verissimo Veronese
Professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unisinos
Pode-se afirmar que a invasão russa à Ucrânia configura a maior intervenção militar na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Tem trazido perdas humanas, infraestruturais e econômicas, fratura de vínculos sociais e aumento do número de refugiados. Trata-se de uma ação orquestrada por terra, mar e ar. É uma guerra transmitida em tempo real, evidenciando como as fronteiras espaço-temporais foram diluídas com a digitalização das sociedades. Tal contexto aponta para o desgaste do ordenamento internacional alicerçado nas diretrizes da Organização das Nações Unidas (ONU).
Com o fim da Segunda Guerra e a emergência da ordem multilateral bipolar, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), formada por EUA, Canadá e Europa, vem expandindo sua área de influência, abarcando os países do Leste Europeu que fizeram parte da ex-União Soviética. À época, a URSS criou o Pacto de Varsóvia, uma coalizão militar para resguardar os países sob sua zona de influência. A estratégia dos EUA, com o suporte da União Europeia, consistia em reduzir a influência geopolítica e econômica da Rússia na região.
Não se trata, a nosso ver, de “escolher um lado”, mas sim de compreender uma realidade complexa. As nações constituem sociedades multiculturais e têm direito à soberania de seus respectivos países. Há mais de uma década se espera que EUA e Europa respeitem a área de influência da Rússia. Atualmente os EUA e a Rússia concentram 95% das armas nucleares. Certamente há oligarcas e bilionários na Rússia, mas há também nos EUA, representados pelos interesses da indústria bélica, que influenciam a política.
Na invasão da Ucrânia, o argumento do presidente Putin é promover a “desmilitarização” e “desnazificação” do país. Seu propósito é estimular o ressentimento provocado quando os nazistas invadiram a URSS, na Segunda Guerra. Putin mobiliza a memória social contra as práticas de limpeza étnica no Holocausto.
Os EUA praticam uma política de isolamento econômico dos russos, pois querem comercializar seu gás natural líquido na Europa a um preço elevado. Financiaram grupos supremacistas e neonazistas na Ucrânia para aumentar a instabilidade política, como na crise de 2014, que assinalou conflitos entre separatistas pró-Rússia e o exército da Ucrânia, com saldo de 15 mil mortos.
Essa guerra mostra também o racismo contra imigrantes, refugiados, pessoas não brancas e do Oriente Médio. Por 141 votos favoráveis (incluindo o Brasil), 35 abstenções e cinco contrários, a Assembleia Geral da ONU condenou a guerra de Putin na Ucrânia. A abstenção foi considerável entre os países africanos, que alegaram a falta de cobertura da mídia ocidental com relação às intervenções militares e violações de direitos em seus territórios. Pessoas brancas são priorizadas nas estações de trem de Kiev e, ao tentarem fugir, os imigrantes negros, árabes e sírios foram colocados no final da fila.
Não se trata, a nosso ver, de “escolher um lado”, mas sim de compreender uma realidade complexa.
Economicamente, os efeitos da guerra já se fazem sentir com a elevação do preço do petróleo, do trigo e do gás. Governos ocidentais superaram divergências e se uniram para impor sanções à Rússia, com a saída de diversas corporações (Apple, Shell, Exxon, Visa, Mastercard, Volvo, General Motors, Microsoft), a desvalorização do rublo e o rebaixamento dos títulos, isolando o país do sistema financeiro global.
Putin é um político conservador, autoritário e perseguidor dos direitos civis. O autocrata manipula a imprensa, as mídias digitais e rejeita a diplomacia. Repudiamos o imperialismo econômico, o expansionismo militar e a supressão de liberdades em qualquer contexto, pois a democracia é um valor inegociável. A violação da Carta da ONU, do Direito Internacional e da soberania territorial não são o caminho. Concluímos que a verdadeira guerra que precisamos lutar é contra a desigualdade, a destruição dos sistemas de proteção social ao redor do mundo e o racismo que segrega e exclui.