A decisão do governo de Jair Bolsonaro de evitar uma condenação firme da invasão promovida pela Rússia na vizinha Ucrânia deverá ampliar o isolamento diplomático brasileiro e poderá trazer consequências negativas a setores da economia, segundo especialistas em Relações Internacionais consultados por GZH.
Na avaliação dos acadêmicos, a principal vantagem da dubiedade de Bolsonaro envolve a manutenção de importações envolvendo matérias-primas russas como fertilizantes, mas pode resultar em uma perda ainda maior da influência verde-amarela no cenário global e prejudicar negócios com outros países como EUA, Reino Unido, membros da União Europeia, Austrália e Japão – todos abertamente contrários às ações de Vladimir Putin.
Na América Latina, mesmo a Argentina de Alberto Fernández (que também visitou Putin recentemente e ofereceu uma “porta de entrada” para a América Latina) se opôs formalmente à declaração de guerra. Nas proximidades, somente Cuba, Venezuela e Nicarágua defendem as medidas adotadas pelo Kremlin.
Para o professor de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali, de Santa Catarina) Daniel da Cunda Corrêa da Silva, o governo brasileiro se colocou em uma encruzilhada diante do avanço dos tanques russos. Por um lado, durante a gestão de Donald Trump, se alinhou automaticamente aos Estados Unidos em temas de política externa, ao mesmo tempo em que aumentou sua dependência de insumos fornecidos pelos russos.
– O Brasil importa cerca de 90% dos fertilizantes que consome e, recentemente, um processo de desinvestimento da Petrobras com venda e desativação de parques produtivos aumentou ainda mais a dependência de países como a Rússia. Uma tomada de posição muito contundente contra a invasão da Ucrânia poderia reverter o que foi costurado na recente visita de Bolsonaro a Moscou, em que negociou uma fonte constante e segura de fertilizantes para o agronegócio – observa Silva, que também tem formação em economia.
Para o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) André Reis da Silva, o Brasil se colocou em um “nó diplomático” durante a visita do presidente brasileiro a Putin. Ao declarar “solidariedade” aos russos, Bolsonaro soou como se desse aval ao ataque do território ucraniano e irritou o governo americano e aliados ocidentais. Nesta semana, ainda desautorizou o vice, Hamilton Mourão, que havia criticado a incursão militar sobre a Ucrânia.
– Diferentemente de outros colegas da academia, não condeno a visita (à Rússia) em si. O grande problema foi a falta de habilidade ao usar as palavras, que deixou o país em uma encruzilhada. Há uma pressão internacional para o Brasil condenar a invasão, mas acredito que o país adotará um meio-termo, defendendo uma solução pacífica sem criticar diretamente o Kremlin – analisa Reis.
Diante desse cenário, Reis acredita que o governo federal ficará ainda mais isolado diplomaticamente – situação que já havia se consolidado diante de posturas negativas do Planalto diante do combate à pandemia, da aplicação de vacinas contra a covid-19, de compromissos de preservação ambiental ou por implicância contra países como a China.
– Em termos diplomáticos, o Brasil perde capacidade de interlocução, fica ainda mais difícil ser chamado a mediar algum conflito, por exemplo. Essa era uma capacidade que desenvolvemos ao longo de décadas por sermos uma potência média sem grande capacidade militar.
No aspecto econômico, segundo Daniel da Silva, os brasileiros podem enfrentar má vontade em negociações comerciais com países alinhados contra a guerra de Putin.
– Não enxergo consequências mais dramáticas como entrar em uma lista de países sob sanções, mas aprofundamos nossa situação como párias internacionais e damos argumento a outros países que queiram suspender embarques de produtos brasileiros, criar barreiras não tarifárias ou impor licenças de importação, por exemplo – pondera o professor da Univali.
Em um cenário de recuperação dos prejuízos provocados pela pandemia, em que um grande número de países procura revigorar seus mercados internos, o enfraquecimento do Brasil no palco internacional pode facilitar a adoção de medidas que contrariem os interesses do Planalto em favor de economias domésticas em processo de recuperação ou de mercados mais alinhados aos interesses ocidentais nesse momento.
– Ao final de tudo, vamos ter perdido mais do que vamos ter ganhado. Quaisquer vantagens econômicas ou políticas que venham dessa postura do governo brasileiro diante das ações da Rússia terão pouca margem – resume Reis.