A reunião do Conselho de Segurança na madrugada desta quinta-feira (24), na qual seus membros leram discursos preparados para pedir à Rússia que não atacasse a Ucrânia, quando uma invasão já estava em andamento, voltou a destacar a irrelevância e incapacidade da ONU de impedir um conflito.
O próprio secretário-geral, Antonio Guterres, admitiu que nunca acreditou nas notícias de uma invasão iminente.
— Estava convencido de que nada sério aconteceria. Estava errado — reconhece.
A conversa mais tensa aconteceu entre o embaixador ucraniano, Sergiy Kyslytsya, e seu par russo, Vassily Nebenzia, que, ironicamente, ocupa a presidência do Conselho de Segurança neste mês. Para Kyslytsya, a reação da ONU à ameaça russa foi tardia.
Richard Gowan, especialista em Nações Unidas do grupo de reflexão International Crisis Group, disse que o Conselho de Segurança nunca resolveria essa crise:
— Isso se deve ao poder de veto da Rússia, além do simples fato de que o presidente Vladimir Putin não se importa com a opinião internacional ou a diplomacia.
Putin tenta "renegociar a ordem do pós-Guerra Fria", nascido após o colapso da União Soviética, na década de 1990, e a perda do controle dos países da órbita soviética na Europa Oriental, que aderiram à União Europeia e à Otan ou tentam fazê-lo, como é o caso da Ucrânia, explica Trita Parsi, vice-presidente do Quincy Institute.
No entanto, Putin não quer acabar com o Conselho de Segurança, pois ele continua sendo muito mais valioso para a Rússia do que para os Estados Unidos.
"Raposas guardiãs do galinheiro"
Nascida em 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial, a ONU é uma das poucas instituições que não passaram por uma reforma para se adaptar ao mundo multipolar atual, apesar das árduas tentativas de potências emergentes, como Brasil, México e Índia.
— Durante anos, muitos governos e outros atores defenderam uma reforma do Conselho de Segurança. Mas como qualquer mudança na Carta das Nações Unidas requer um voto da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança, sujeito ao poder de veto, os avanços na reforma estagnaram — observa Pamela Chasek, presidente do departamento de ciência política da Manhattan College.
— As raposas são as guardiãs do galinheiro, por isso o Conselho de Segurança voltou à sua paralisia da Guerra Fria — ressalta a especialista.
O poder de veto da Rússia impede o Conselho de aprovar uma resolução condenando a invasão à Ucrânia, autorizar sanções ou ameaçar com uma resposta militar.
Enfraquecimento
A isso se soma a fragilidade da secretaria-geral, diz Trita Parsi, destacando que os esforços de mediação do secretário-geral teriam sido levados a sério há 20 anos.
— Atualmente, ninguém percebe a sua ausência, porque ninguém tem a menor expectativa de que o secretário-geral da ONU possa desempenhar esse papel — diz em relação ao enfraquecimento de estruturas no fim da Guerra Fria.
Para Parsi, o que a Rússia está fazendo debilita ainda mais, mas não poderiam ter feito se a ONU não tivesse enfraquecida de forma significativa. A Carta da ONU não prevê nenhuma exclusão se algum dos seus membros provocar uma guerra. Apenas o não pagamento da contribuição de um membro pode levar à perda do seu direito ao voto.
Votação de sexta
Está marcada para esta sexta-feira (25) a votação, fadada ao fracasso, de uma resolução condenando a invasão à Ucrânia, apresentada pelos Estados Unidos e pela Albânia. É provável que acabe na Assembleia Geral, que agrupa 193 países. Mas ao contrário do Conselho de Segurança, suas resoluções não são vinculantes.
Em 2014, por motivo da anexação da Crimeia, ocorreu um cenário semelhante. A Rússia vetou um projeto de resolução de condenação e o texto recebeu cem votos a favor na Assembleia Geral, maioria mínima. Oito anos depois, a Crimeia continua sob controle russo, apesar de a sua anexação não ter sido reconhecida pela comunidade internacional.