A maior parte da comunidade internacional condenou com indignação a invasão promovida pela Rússia na Ucrânia, mas, na contramão dessa tendência, um grupo de países tão diversos quanto Belarus, Síria e Venezuela tem apoiado com igual empenho as ações de Vladimir Putin.
Em sua maioria, a rede de apoio aos russos é formada por governos que também já sofreram sanções do bloco ocidental ou se balizam politicamente pelo afastamento em relação aos Estados Unidos.
— Todos esses países que apoiam a Rússia têm problemas com os Estados Unidos e uma política de afastamento em relação aos americanos. Como não existe vácuo na política, Putin se aproveita dessas rivalidades para mantê-los em sua área de influência — analisa o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) André Reis da Silva.
Um dos governos mais simpáticos ao Kremlin é o da vizinha Belarus, cuja parceria com os russos a levou inclusive a apoiar diretamente a operação militar de invasão aos ucranianos. Mas o arco de alianças de Putin vai mais longe e alcança nações como Irã e Síria, no Oriente Médio, além de Venezuela, Cuba e Nicarágua, na América Latina.
Ainda antes do conflito, em janeiro, o ministro de Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, havia discursado ao parlamento local dizendo que o país fortaleceria sua “cooperação estratégica” com Cuba, Venezuela e Nicarágua em “todas as áreas”: economia, cultura, educação e técnico-militar. Na Síria, os russos apoiaram o ditador Bashar al-Assad para se contrapor à influência americana na região, rica em petróleo.
Silva explica que, ao longo das últimas décadas, esses países estabeleceram laços econômicos e de cooperação militar com a Rússia como forma de escapar da esfera de poder dos EUA. Do ponto de vista de Moscou, manter boas relações com essas nações também é uma forma de se contrapor aos esforços americanos e da Otan de se firmar cada vez mais no Leste Europeu.
O grupo pró-Putin tem ainda como característica frequente a imposição de regimes vistos com ressalvas pelos colegas ocidentais por questões envolvendo o processo democrático e o respeito aos direitos humanos.
— Eu não cairia no simplismo de dizer que são todas ditaduras de um lado contra o liberalismo de outro, já que relações internacionais são mais complexas e operam por lógica de poder. Mas são regimes endurecidos, que enfrentam questionamentos envolvendo direitos humanos — observa o especialista da UFRGS.
Opção moderada
Além dos governos que apoiam abertamente a ofensiva contra a Ucrânia, há governantes que estão optando por um caminho mais moderado, mesmo que mantenham um relacionamento amistoso com o Kremlin – casos, por exemplo, de China e Índia. Ambos se abstiveram de votar a resolução do Conselho de Segurança da ONU que condenaria o ataque organizado pelo Kremlin, mas não se manifestam publicamente favoráveis à guerra.
A posição brasileira é ambígua porque há um curto-circuito ideológico
ANDRÉ REIS DA SILVA
Professor da UFRGS
Tradicionalmente, a China costuma se posicionar de forma mais veemente apenas em situações que a envolvem diretamente ou ocorrem em pontos mais próximos de seu território. No momento, os chineses não criticam diretamente o líder russo, mas pedem o fim do conflito. Já a Índia, ao longo dos últimos anos, estabeleceu parcerias tanto com os EUA quanto com o Kremlin.
Há ainda o caso brasileiro, em que há um aparente descolamento entre a postura institucional de sua diplomacia, que votou a favor da resolução do Conselho de Segurança e se manifesta no âmbito da ONU contra a guerra, e as manifestações pessoais do presidente Jair Bolsonaro. Bolsonaro evita criticar publicamente as ações de Putin, discordou do uso do termo “massacre” para se referir às mortes provocadas pelo conflito e já desautorizou publicamente o vice Hamilton Mourão por ter criticado a ofensiva sobre solo ucraniano.
— A posição do Brasil é ambígua porque há um curto-circuito ideológico nos grupos bolsonaristas. Há quem veja a Rússia como um horizonte político a ser buscado, como um país militarizado, que controla a população e os meios de comunicação. Mas também há quem se inspire na militarização das manifestações populares tendo a Ucrânia como referência, e ainda quem vê os EUA como defensores dos valores ocidentais, mas não se conforma com a vitória de Biden nas eleições presidenciais — resume o professor de Relações Internacionais.
Veja, a seguir, um resumo sobre os países que desafiam o padrão ocidental e se manifestam de forma mais favorável às ações de Vladimir Putin.
Principais países pró-Rússia
Belarus – Vizinha dos russos, é governada por Alexander Lukashenko, um dos principais aliados de Vladimir Putin. A aliança se reforçou em 2020, quando surgiram suspeitas de fraude na eleição que reconduziu Lukashenko ao cargo, e a Rússia ajudou a sustentá-lo no cargo que ocupa há 28 anos. A parceria militar fez com que Belarus permitisse o uso de seu território para a invasão da Ucrânia.
Cuba – O país comunista, que mantém laços históricos de cooperação econômica e militar com a Rússia, pediu uma “solução diplomática” para a crise, mas considerou “justas” as reivindicações de Putin de que a Otan se afaste de suas fronteiras. O ministério de Relações Exteriores culpou os EUA e a progressiva expansão da Otan pelo conflito.
Irã – As relações com os EUA se deterioraram após a revolução islâmica de 1979 e envolveram a imposição de sanções aos iranianos e o rompimento de relações diplomáticas. O Ministério de Relações Exteriores iraniano declarou que “as ações interventoras e provocativas” da Otan e dos americanos “complicaram” a situação na região. Assim como a Rússia, tem como objetivo estratégico limitar a influência americana no Oriente.
Nicarágua – O presidente Daniel Ortega, reeleito em 2021 após mandar prender seus oponentes, foi um dos primeiros líderes mundiais a apoiar as ações do Kremlin e defendeu que a Rússia anexe as províncias de Donetsk e Luhansk, controladas por rebeldes separatistas. É um dos países com os quais a Rússia possui cooperação econômica e militar. A influência russa em uma região próxima dos EUA é uma forma de responder à crescente presença ocidental em sua própria vizinhança.
Síria – Antiga aliada, a Rússia interveio diretamente na recente guerra da Síria para ajudar a combater o Estado Islâmico, mas, também, garantir a manutenção no poder do ditador Bashar al-Assad. Para isso, também combateu sunitas anti-Assad apoiados pelos EUA. Com essa aliança, garante um ponto estratégico de apoio no Oriente Médio. Em troca desse suporte, o ditador sírio defende as ações de Putin.
Venezuela – Entrou em rota de colisão com os EUA após a ascensão de Hugo Chávez ao poder, em 1999. A situação piorou após os venezuelanos apontarem participação americana na tentativa de golpe contra Chávez em 2002. Investiu em parceria militar com a Rússia, de onde importou armamentos. Em 2019, durante protestos comandados pelo oposicionista Juan Guaidó, os russos chegaram a enviar dois aviões à Venezuela com militares e armas. Agora, o atual presidente, Nicolás Maduro, declarou “apoio total” à Rússia.