A sucessão presidencial do Chile, que se definirá neste domingo (19) em segundo turno entre o conservador José Antonio Kast e o esquerdista Gabriel Boric, ampliou a polarização no país. Palco da onda de protestos de 2019, a Plaza Dignidad (antiga Plaza Italia) ainda guarda resquícios dos distúrbios. Há mensagens políticas em quase todos os prédios à volta, seja em cartazes ou em pichações.
Na sexta-feira (17), a praça, no centro de Santiago, amanheceu dividida. Apoiadores de Kast se reuniram para restaurar o setor da rotatória que dá acesso ao Morro San Cristóbal, plantando flores e pintando a base onde ficava o monumento ao general Manuel Baquedano. Na noite anterior, eleitores de Boric haviam se reunido no local para celebrar a morte de Lucía Hiriart, viúva de Augusto Pinochet.
Para os conservadores, a restauração da praça é um retrato de dois Chiles.
— Ontem, na Plaza Italia, eles (manifestantes de esquerda) cantaram e dançaram com um nível de ódio impressionante. Nossos jovens estão em uma posição diferente, querem mostrar o que queremos do Chile — afirmou Mario Desbordes, ex-presidente da Renovação Nacional, em entrevista à Rádio Universo.
"Grama, flores e paz em uma metade da Plaza Baquedano e na outra metade a destruição, ódio e divisão representada por uma bandeira negra chilena. Decida qual Chile você quer", escreveu o vereador de Lo Barnechea, Cristián Daly, em suas redes sociais.
Todas as sextas-feiras, segundo os comerciantes locais, já acostumados com os tumultos, a praça se torna palco de manifestações de diferentes grupos políticos. Por muito tempo, os protestos tiveram apoio da sociedade, afirma a analista Pamela Figueroa:
— Isso se refletiu no acordo para a mudança constitucional e o apoio à constituinte.
Com os protestos cada vez mais violentos, o apoio diminuiu.
— De modo geral, havia rechaço à violência. Além disso, depois que se elegeu a Constituinte, as pessoas passaram a preferir o caminho institucional — diz Pamela.
As cenas de destruição deixadas em alguns pontos e as críticas aos carabineros, como é conhecida a polícia do Chile, se tornaram armas na mão da direita, que passou a utilizar jargões como "ordem" e "paz" para atrair eleitores incomodados com os protestos.
Mas polarização parece ter fracassado na mobilização dos eleitores. Kast e Boric não foram capazes de entusiasmar parte importante dos chilenos — cerca de 20% ainda se diz indeciso e mais de metade nem sequer votou no primeiro turno.
— Não estamos polarizados como no Brasil ou nos EUA — afirma Claudia Heiss, historiadora do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile. — A polarização que existe é incentivada pela política institucional, produzida muito mais de cima para baixo do que ao contrário.
Divisão
Os dois grupos mais tradicionais da política do Chile — a centro-esquerda, de Michelle Bachelet, e a centro-direita, de Sebastián Piñera — ficaram de fora do segundo turno. Mas essa ausência, acredita Claudia, não se deve à polarização:
— A maioria dos chilenos se identifica como de centro. Mas os moderados não encontram a expressão de seus ideais e de suas posições nos grupos tradicionais.
Ao contrário do que os protestos insinuam, a sociedade chilena está menos politizada, afirma Claudia:
— Houve uma mudança grande nos últimos anos. O país tinha uma sociedade muito mais engajada, que se informava sobre política e tinha tradição de participação popular. Hoje, as pesquisas mostram que as pessoas cada vez menos falam de política.
Para o analista Patricio Navia, uma das chaves pode estar na identificação ideológica dos chilenos:
— De modo geral, o que vemos em pesquisas é que cada vez menos as pessoas se identificam com a esquerda e com a direita. Elas se definem como centristas.
Para ele, existem semelhanças entre o que acontece no Chile e no Brasil, como os discursos populistas de direita, bandeiras anti-imigração e posições conservadoras nos costumes. Mas há também diferenças.
— Se compararmos Kast e Jair Bolsonaro, veremos que Kast é um conservador de verdade. Ele só esteve casado uma vez, tem nove filhos — afirma Navia.
Outra diferença, segundo Navia, é que populistas de direita, como Bolsonaro e Donald Trump, eram candidatos da mudança:
— No Chile, Kast é o status quo, contra a esquerda, que pretende mudar o modelo econômico do país.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.