O Ministério Público da Bolívia solicitou, neste domingo (14), seis meses de prisão para a ex-presidente interina Jeanine Áñez e dois de seus ministros, presos em uma investigação por um suposto golpe contra o ex-presidente Evo Morales em 2019.
Três promotores assinaram a acusação pela aplicação de "medidas cautelares que consistem em prisão preventiva ... por um período de seis meses" nos presídios de La Paz, de acordo com o documento. Neste momento, Jeanine encontra-se detida em uma delegacia da capital boliviana.
A ex-presidente interina foi presa na madrugada de sábado (13) na cidade de Trinidad, capital do distrito de Beni, de onde foi transferida para a capital boliviana, onde aceitou seu direito ao silêncio perante o Ministério Público.
Junto a seus ex-ministros Álvaro Coimbra (Justiça) e Rodrigo Guzmán (Energia), ela é acusada de crimes de "terrorismo e sedição" pelos acontecimentos de novembro de 2019 que levaram à renúncia de Evo.
A ordem de prisão foi dada no momento em que o partido governista Movimento ao Socialismo (MAS) exige um julgamento por golpe de Estado contra vários opositores e ex-líderes militares.
À televisão local ao chegar em um avião militar no aeroporto de La Paz sob forte escolta policial, Jeanine declarou:
— É um ultraje absoluto, eles nos acusam de ser cúmplices de um suposto golpe. Não há um grão de verdade nas acusações. É uma simples intimidação política. Não houve golpe. Eu participei de uma sucessão constitucional.
Em contato com a imprensa desde as celas da polícia onde aguarda sua audiência para medidas cautelares, ela ainda afirmou neste domingo que deveria ser processada em um julgamento de responsabilidade e não em um julgamento comum.
— Tenho privilégios, goste Evo Morales ou não, e teria que ser acusado em tribunal — disse a ex-presidente.
Jeanine reiterou que o atual governo pretende criminalizar a sucessão "constitucional" ocorrida em novembro de 2019 após as demissões das autoridades na altura e ratificou que não houve golpe de Estado.
Ela afirmou ainda que tem fé em Deus e no povo boliviano para que a justiça não determine esse fato.
— Tenho o total apoio do povo, assim como todos nós defendemos nosso Estado de Direito e de todos nós que acreditamos na democracia. Não posso ter o apoio do MAS, porque eles desprezam a democracia — disse a ex-presidente interina.
A audiência das medidas cautelares contra ela e seus ex-ministros estava marcada para o domingo. O MP boliviano também pediu a detenção — a instituição conta com essa prerrogativa no país andino — do ex-comandante das Forças Armadas general William Kaliman e do ex-chefe da polícia Yuri Calderón por terem pedido a renúncia de Evo.
O general Kaliman e Calderón pediram publicamente a renúncia do então presidente em novembro de 2019, quando o país enfrentava protestos que deixaram 36 mortos após denúncias de fraude nas eleições. A crise precipitou a renúncia de Evo, que tinha sido reeleito para um quarto mandato até 2025.
Kaliman ainda não foi preso e Calderón não foi encontrado em sua casa para assumir sua defesa no julgamento por sedição e conspiração em que a ex-presidente também está sendo investigada.
O atual ministro da Justiça, Iván Lima, e o presidente do Senado, Andrónico Rodríguez, declararam que a Justiça está agindo com independência do poder político e negaram perseguição política.
— Nós não podemos interferir nos casos levados pelo Ministério Público e pela Justiça. São casos que eles devem tratar com objetividade e independência — afirmou Lima.
Rodríguez reiterou, separadamente, a narrativa oficialista de que no final de 2019 houve um golpe de Estado e ressaltou que o que está acontecendo agora "não é perseguição, é justiça", disse.
Reações
Os ex-presidentes da Bolívia — o centrista Carlos Mesa (2003-2005) e o direitista Jorge Quiroga (2001-2002) — rejeitaram separadamente as prisões e ordens de prisão. Ambos foram atores-chave para a transição do governo de Morales para o de Jeanine em 2019.
Por meio de carta enviada à Organização das Nações Unidas (ONU) e à União Europeia, a ex-presidente interina apelou às organizações para que acompanhem o seu processo.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu que políticos da Bolívia consolidem a paz no país e respeitem o devido processo legal. O apelo foi reforçado pelo representante da União Europeia para assuntos exteriores, Josep Borrell, que no Twitter escreveu mensagem pedindo "diálogo e reconciliação". e que "as acusações pelo ocorrido em 2019 devem ser resolvidas com uma justiça transparente e sem pressões políticas".