A indignação pela morte do ex-segurança George Floyd, um cidadão negro, durante uma abordagem policial em Minneapolis continua viva nos Estados Unidos (EUA): o país segue registrando protestos nesta segunda-feira (1º), apesar do toque de recolher em muitas cidades. Em Washington, houve atos nas proximidades da Casa Branca.
Durante a noite — apesar da prefeita da cidade, Muriel Bowser, ter decretado um toque de recolher após as 23h —, houve incêndios, queima de bandeiras americanas e paredes pintadas com frases contra a polícia. Nesta segunda-feira, a medida foi prolongada por mais dois dias e antecipada quatro horas, a partir das 19h.
Na Filadélfia, em Nova York e também em Santa Monica, uma periferia rica de Los Angeles, houve alguns saques. Em Minneapolis, onde ocorreu a morte de George Floyd, o dia passou com menos incidentes do que antes, depois que as autoridades implantaram um dispositivo excepcional.
O país enfrenta uma onda de protestos não vistos desde os anos 1960, durante a luta pelos direitos civis. De Nova York a Los Angeles, da Filadélfia a Seattle, dezenas de milhares de americanos marcharam no final de semana para denunciar a brutalidade policial, o racismo e as desigualdades sofridas pelas minorias.
Em Washington, o protesto começou no domingo (31) com uma marcha pacífica na qual centenas de pessoas caminharam da Universidade Howard, um bastião da cultura negra nos Estados Unidos, para a Casa Branca gritando "Não consigo respirar", as últimas palavras de George Floyd.
No mesmo dia, um caminhão entrou na rua onde estava ocorrendo a manifestação — cujo tráfego foi reduzido — e avançou em alta velocidade, causando medo entre os presentes, sem relatos de feridos. Além disso, a polícia disparou gás lacrimogêneo perto da Casa Branca após manifestantes quebrarem janelas de edifícios importantes e virarem carros. A sede do governo dos EUA ficou escura, apagando quase todas as luzes externas. Prefeitos tentaram impor toques de recolher em pelo menos 40 cidades, enquanto governadores mobilizaram a Guarda Nacional. No entanto, as medidas foram desafiadas pelos manifestantes, que voltaram a tomar as ruas.
Em razão dos protestos, na sexta-feira (29), o presidente Donald Trump foi levado por agentes do Serviço Secreto para um bunker subterrâneo na Casa Branca. Jornalistas que trabalhavam na cobertura do protesto, inclusive uma equipe de reportagem da CNN americana, foram presos. Outros foram agredidos com balas de borracha em meio às multidões, apesar de usarem credenciais.
Cerca de 4,1 mil pessoas foram presas em todos os EUA no fim de semana, de acordo com a Associated Press. Mortes também foram noticiadas, mas o número exato ainda não foi confirmado pelas autoridades americanas. O irmão de George Floyd recebeu a primeira resposta pessoal do chefe de polícia de Minneapolis durante uma entrevista coletiva no domingo.
— Para a família Floyd, quero que vocês saibam, que minha decisão de demitir os quatro policiais não foi baseada em algum tipo de hierarquia — disse Medaria Arradondo, chefe da polícia de Minneapolis. — Floyd morreu em nossas mãos e, portanto, vejo isso como cumplicidade — acrescentou.
As manifestações ocorrem no momento em que mais de cem mil pessoas morreram nos Estados Unidos devido ao coronavírus, e quando as medidas tomadas para mitigá-lo atingiram fortemente a economia em um ano eleitoral. A epidemia teve um impacto devastador na comunidade negra e alguns estudos mostram que essa população sofre uma mortalidade três vezes maior que a dos brancos.
Balas de borracha
O presidente Donald Trump condenou a morte de Floyd, mas também chamou os manifestantes de "bandidos" e culpou a "esquerda radical" pelas mobilizações, citando seu provável adversário das eleições em novembro, o democrata Joe Biden. Uma das medidas tomadas pelo governo Donald Trump foi designar o grupo antifascista Antifa como uma organização "terrorista".
A disseminação de imagens mostrando Floyd no chão com o joelho de um policial no seu pescoço, implorando à polícia que o deixasse ir, alimentou protestos que ocorreram em mais de 140 cidades. Em muitos protestos, os manifestantes ficaram de joelhos, um gesto popularizado por atletas para denunciar a violência policial sofrida por negros nos Estados Unidos.
Vários vídeos mostraram policiais de Santa Cruz, Califórnia, Nova Jersey e Michigan fazendo o mesmo gesto para dialogar com os manifestantes. Entretanto, em uma dúzia de outras cidades a nota principal foi o envio de unidades de choque e tropas da Guarda Nacional. Essa resposta de segurança foi acompanhada pelo uso de veículos blindados para o transporte de tropas, o uso de gás lacrimogêneo e balas de borracha.
Os abusos policiais contra a população negra são repetidos ciclicamente nos Estados Unidos.
— Toda vez que penso nisso, fico com lágrimas nos olhos porque é como se meu filho viesse do túmulo para me dizer que ainda o estavam matando — disse à CNN na segunda-feira Gwen Carr, mãe de Eric Garner, um jovem que morreu quando um policial branco o enforcou para prendê-lo em 2014.
"Esta geração não vai permitir"
O ex-vice-presidente Joe Biden, que provavelmente será o candidato dos democratas para enfrentar Donald Trump em novembro, disse no domingo (31) que os Estados Unidos "são uma nação que está sofrendo".
— Somos uma nação enfurecida, mas não podemos deixar nossa raiva nos consumir — acrescentou Biden, que é o único candidato ao campo democrata a enfrentar Trump nas eleições de 3 de novembro, mas ainda não foi formalmente indicado na convenção partidária.
O agente processado pela morte de George Floyd, acusado de homicídio involuntário, deveria comparecer ao tribunal nesta segunda-feira, mas essa audiência foi adiada.
A família da vítima planeja divulgar nesta segunda-feira os resultados de uma segunda autópsia, esperados com expectativa.
— Temos filhos negros, irmãos negros, amigos negros e não queremos que eles morram — disse Muna Abdi, manifestante negra de 31 anos, à AFP em Saint-Paul. — Estamos cansados disso, esta geração não vai permitir — afirmou.