— A gente tá aqui de olhos vendados, em uma sala escura, não sei nada. Não é para falar com o Exército.
Esse foi um dos apelos que o gaúcho José Ivan Albuquerque Matias, 50 anos, fez para uma irmã enquanto estava em um cativeiro mantido por guerrilheiros dissidentes das Farc, na Colômbia.
Matias foi sequestrado em 16 de março na região do departamento de Cauca, no sudoeste colombiano, durante viagem de férias com o companheiro, o suíço Daniel Max Guggenheim. Os dois, que atualmente moram na Argentina, foram libertados pelo Exército da Colômbia na manhã da quinta-feira (18), após três meses como reféns.
Conforme Daniela Cristina Albuquerque, irmã de Matias, eles estavam muito debilitados e estão recebendo atendimento médico.
Natural de Carazinho, Matias foi soldador, tornou-se morador de rua, fundou uma associação de catadores em Porto Alegre e, depois, ganhou o mundo ao lado do companheiro, que conheceu na capital gaúcha. Nas fotos expostas em uma rede social, ele transborda amor pelo time do coração: o Grêmio.
— Em toda cidade que vai, mundo afora, ele leva a bandeira do Grêmio para fazer foto — conta Daniela.
O drama do casal começou quando eles trafegavam por uma estrada na Colômbia usando um carro alugado. Segundo a irmã, os dois, que já tinham voo marcado para retornar à Argentina, pararam para pedir informações e acabaram abordados por homens que os colocaram em um caminhão, já vendados. O carro locado, inclusive, teria sido usado depois em um assalto.
Segundo a irmã, no momento dessa abordagem, Matias conseguiu enviar uma mensagem via rede social para uma filha de Daniel, que vive na Suíça. A jovem contatou a família do gaúcho, e autoridades foram acionadas.
Daniela fez registro na Polícia Federal (PF). A Interpol passou a acompanhar o caso.
— Procurei embaixada, autoridades, políticos (ligados ao PT, partido ao qual Matias é filiado), mas não conseguia nada. Tinha muita coisa fechada, era o começo da pandemia — recorda Daniela.
O primeiro contato de Matias teria sido com uma amiga, radialista em Carazinho. Depois, falou com a própria irmã, orientando sobre pessoas a procurar e sobre lançar uma campanha para arrecadar valores (ouça trecho abaixo). A negociação ficou mais por conta da família de Daniel. Segundo Daniela, o pedido era de US$ 250 mil, cerca de R$ 1,3 milhão:
— A polícia da Suíça assumiu o caso, mas era contra pagar (o resgate). A gente pensava em como reunir o dinheiro e levar até a Colômbia. Um amigo colombiano, que mora em Lisboa, se dispôs a ir levar o dinheiro. Mas já fazia quase um mês que não tinha contato nenhum deles. Tinham mandado uma foto como prova de vida e mais nada. Os próprios sequestradores nunca ligaram diretamente para nós.
Segundo relato de Matias, os guerrilheiros que cuidavam do cativeiro eram jovens com cerca de 15 anos e muito bem armados. Já o chefe do grupo seria um homem com cerca de 30 anos.
O casal mudou de cativeiros por 11 vezes nos 90 dias de sequestro. Ao ser resgatado, Matias tinha um corte na cabeça e Daniel também estava ferido devido a um tombo que sofrera. Os dois perderam cerca de 20 quilos durante a reclusão.
As imagens do resgate mostram os dois acompanhados pelos animais de estimação da raça Lulu da Pomerânia, os cachorros Preto e Fifi, sempre parceiros de viagem e de fotos do casal.
Das ruas de Porto Alegre para o mundo
A família de Matias é natural de Carazinho. Soldador e com escolaridade até o quinto ano do Ensino Fundamental, ele buscou trabalho na Capital, mas acabou virando morador de rua.
Em 2000, a mãe e a irmã Daniela deixaram Carazinho para viver em Porto Alegre e ajudá-lo. Matias saiu das ruas para um abrigo, na Vila Bom Jesus.
Recuperado e com a experiência de quem morou na rua, criou o projeto de uma associação de catadores.
— Era um projeto social. A gente queria dar o que o pessoal da rua precisava, não era para ser uma coisa comercial, como alguns envolvidos queriam. Ganhávamos peixes da Ilha da Pintada e distribuíamos para o pessoal na rua — conta Daniela, parceira de projeto na Associação Novo Cidadão.
Matias lutou pelo sonho. Por mais de uma vez, esteve em audiências na Câmara de Vereadores em busca de apoio para a associação e um local para funcionar como sede. O trabalho funcionava sob o viaduto da Conceição, no Centro.
Há cerca de 10 anos, com a associação já minguando, Matias foi indicado por um amigo bancário a mostrar pontos turísticos da cidade para um suíço a passeio. Começava a relação de amor que levou o ex-catador para o mundo.
Segundo a irmã, ele concluiu estudos e fez até faculdade na Suíça. O casal mora há cerca de quatro anos em Buenos Aires e tinha viagem marcada para o Brasil para 5 de maio, plano interrompido pelo sequestro que terminou na quinta-feira.