O sequestro do gaúcho José Ivan Albuquerque Matias e do suíço Daniel Guggenheim, por um grupo dissidente das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), mostra ao mundo que o país latino-americano já sabe há algum tempo: a guerra civil, que durou cinco décadas e matou mais de 9 milhões de pessoas, não terminou. O conflito apenas ficou mais pulverizado nas ações, em geral longe das manchetes internacionais e com grau de complexidade ainda mais intenso, pelas interconexões com comunidades locais, cartéis mexicanos, alianças entre guerrilhas e sem comandos unificados.
Em 2019, uma ONG colombiana chamada Somos Defensores concluiu um relatório que revelou o "notório aumento do número de assassinatos cometidos por dissidentes ou grupo residuais das Farc": foram 12 casos em 2018 e 21 em 2019. Os ataques passaram de 805 para 844 em 2019. Há claro sinal de retorno às armas.
Os sequestros e escaramuças entre grupos residuais e as forças armadas da nação também evidenciam as fragilidades do acordo celebrado em 2016, que supostamente colocaria fim ao conflito. As Farc hoje são um partido político legalizado na Colômbia (chamado Força Alternativa Revolucionária do Comum), mas seus dissidentes continuam levando o terror a pequenas comunidades onde a guerrilha erigiu, por anos, uma estrutura de poder que ocupava o lugar do Estado - controlavam a vida social, a economia e a política locais.
A maioria dos últimos assassinatos e sequestros ocorreram no departamento de Cauca (sudoeste do país), justamente onde José Ivan e Daniel foram capturados há três meses. Essa região é disputada por dissidentes das Farc, rebeldes da outra guerrilha ainda ativa, o Exército de Libertação Nacional (ELN), gangues de origem paramilitar e traficantes de drogas ligados a cartéis mexicanos. São áreas estratégicas para a mineração ilegal e a produção de cocaína. Por décadas, os sequestros também foram uma forma de obtenção de receita - e ainda são usados para financiamento.
Nem o confinamento em razão da pandemia de coronavírus encerrou a violência. Nove ex-guerrilheiros foram assassinados desde o início da quarentena, em 25 de março, totalizando 201 mortos desde o acordo de paz de 2016.
Depois de entregarem as armas, cerca de 12,8 mil ex-combatentes retomam suas vidas como civis, tentando se reintegrar à sociedade. Altos oficiais das Farc respondem na Justiça, em um tribunal especial regido pelo acordo, pelos crimes cometidos durante o conflito.
Já os membros dissidentes das Farc, cerca de 2,3 mil, operam hoje sem um comando unificado, o que também dificulta qualquer tentativa de negociação no caso de tomada de reféns. Um dos poucos grupelhos com rosto veio a público no ano passado, quando Iván Márquez, ex-número 2 da antigas guerrilha, apareceu em um vídeo anunciando "uma nova etapa da luta armada" no país. As Farc hoje sentam-se no parlamento colombiano, com 10 cadeiras garantidas como parte do tratado de paz, mas a dissidência de Iván Márquez acendeu o fogo de outros dissidentes na clandestinidade.