SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A crise do coronavírus tem sido uma experiência inusitada para Benjamin Aidoo, 31, dono de uma funerária em Gana. Mesmo em isolamento total, como a maior parte dos 29 milhões de habitantes do país do oeste da África, ele se tornou involuntariamente parte de um fenômeno das redes sociais.
Imagens de cerimônias fúnebres promovidas por sua empresa alimentam um meme global em que homens bem vestidos dançam carregando um caixão no ombro.
Os curtos vídeos mostram cenas que lembram videocassetadas, como um esquiador prestes a se esborrachar ou um homem que despenca de uma barra de ginástica que se quebra. Surge então a imagem dos "dancing pallbearers" (carregadores de caixão dançarinos), com uma música eletrônica de fundo.
"Estou achando ótimo, as pessoas estão usando minhas imagens para se divertir enquanto estão entediadas em casa", disse Aidoo por telefone de Acra, capital de Gana.
No Brasil, o "meme do caixão" ganhou algumas variações. Em Poços de Caldas (MG), a imagem de quatro carregadores ilustra um outdoor incentivando as pessoas a respeitarem a quarentena durante a pandemia. "Fique em casa ou dance com a gente", diz.
No domingo (12), o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, postou em suas redes sociais uma montagem, em que substitui o rosto de um dos dançarinos pelo do presidente Jair Bolsonaro.
As imagens usadas nos vídeos são de 2017, extraídas de uma reportagem da rede britânica BBC sobre o serviço oferecido por Aidoo. Mas só agora viralizaram. Como frequentemente ocorre neste universo, é difícil encontrar uma explicação clara para isso.
Segundo o site especializado "Know Your Meme", a primeira montagem foi postada na rede Tik Tok por uma pessoa usando um pseudônimo em 26 de fevereiro. Teve 4,5 milhões de visualizações em um mês. Seguiu-se uma avalanche de vídeos semelhantes, para surpresa de Aidoo, que desde então tem dado entrevistas, recebido ligações de amigos e conhecidos e tirado muitas selfies com curiosos.
Ele começou a trabalhar em uma funerária em 2004, enquanto cursava metalurgia.
Em 2007, montou sua própria empresa e começou a perceber que era possível oferecer algo mais num país em que velórios e enterros são eventos sociais importantes, que podem durar vários dias. "Sextas e sábados são os dias mais movimentados de funerais aqui. Comecei a oferecer esse serviço para amigos, primeiro com uma equipe, depois duas, três... Hoje tenho cem pessoas trabalhando comigo."
Ao longo de sua história, a ex-colônia britânica sofreu forte influência de missionários evangélicos, o que contribuiu para uma população fortemente identificada com valores e rituais religiosos.
Mais de 70% dos ganenses são cristãos, e quase um terço da população segue correntes neopentecostais. Pelas ruas das grandes cidades são comuns lojas com nomes como "God First Market" (Mercado Deus Primeiro) e "Thank You Jesus Barbering Shop" (Barbearia Obrigado, Jesus).
Segundo Aidoo, essa conexão da população com a religião não precisa ser sempre algo tão solene. "No começo, apenas carregávamos o caixão nos ombros, da igreja ou da casa da pessoa para o cemitério. Mas chegou um ponto em que pensei: quero acrescentar algo a isso, algo que faça as pessoas se animarem, rirem, em vez de chorarem."
Cada equipe de carregadores dançarinos tem sete pessoas: seis que levam o caixão e uma que atua como espécie de mestre de bateria, guiando o grupo e orientando a coreografia. "Treinamos muito antes das apresentações. Não podemos cometer erros. Se o caixão cair, é uma desgraça para nós, para nossa marca."
As coreografias, afirma, são inspiradas em danças tradicionais, com grande presença de tambores. Apesar do que os memes sugerem, não há trilha sonora eletrônica, incluída apenas na edição dos vídeos.
Dos cem empregados da funerária de Aidoo, 95 são homens, e 5, mulheres. "Se é um enterro de uma mulher, eu geralmente coloco uma líder feminina", afirma o empresário.
A tradição dos carregadores de caixões, todos vestidos impecavelmente com casacas, sapatos sociais de bico fino e lenços de lapela, é antiga em Gana. Diversas funerárias oferecem o serviço, que dão certa pompa aos enterros.
"Antigamente, apenas parentes carregavam os caixões até o cemitério. Mas muitos bebiam demais durante o velório e podiam fazer todo tipo de coisa inapropriada", afirma.
O que tornou o serviço de Baidoo diferente foi transformar esse momento solene em algo lúdico. "Imagine que você é meu pai. Por causa de você, me transformei num advogado, ou numa pessoa importante da sociedade. Se você se vai, tenho que festejá-lo, pelo que você fez por mim", diz.
Sua mãe, diz o empresário, já foi avisada de que terá direito à honra de ser carregada num cortejo dançante. "Já disse que, quando ela se for, estaremos dançando. Ela ficou muito feliz", afirma. "Para o meu, quero uma semana de festa antes que me enterrem."
Aidoo reivindica o título de pioneiro da ideia, hoje copiada por outras funerárias em Gana. Mas há relatos de que isso já ocorria antes, como registrou uma reportagem do Washington Post em 1997.
Cada apresentação dos dançarinos tem custo variável, em geral em razão da vestimenta. Se for traje escocês, sai por 800 cedi (R$ 715), valor que sobe para 900 cedi (R$ 805) em caso de uniforme de marinheiro e até 1.200 cedi (R$ 1.070) para uma vestimenta toda branca. Não é um valor que muitos podem pagar em Gana, mas o empresário afirma que o preço é negociável para classes mais pobres.
Em razão do lockdown de três semanas decretado pelo governo local, as performances estão suspensas, e apenas velórios e enterros mais simples estão sendo feitos. Até esta terça (14), haviam sido registrados 636 casos de Covid-19 no país, com 8 mortes, segundo as estatísticas oficiais.
Em breve, espera Aidoo, seus dançarinos estarão de volta às ruas, e com demanda aquecida depois que viraram celebridade da memesfera.