Em um momento muito aplaudido do pronunciamento de abertura do ano legislativo na Argentina, o presidente Alberto Fernández anunciou que enviará ao Congresso um novo projeto de legalização do aborto "dentro de 10 dias". A fala foi uma das mais ovacionadas durante os quase 80 minutos de discurso do peronista neste domingo (1º), diante de deputados e senadores. Do lado de fora do Congresso, em Buenos Aires, milhares de manifestantes também receberam a notícia com entusiasmo.
A abertura do ano legislativo é um ritual importante no calendário do país. O presidente de centro-esquerda recém-empossado, acompanhado da vice, Cristina Kirchner, apresentou as prioridades para 2020. Outro tema abordado pelo peronista foi a renegociação da astronômica dívida argentina.
O chefe de Estado disse que a lei de 1921 que regula o aborto — permitido em casos de estupro ou risco de saúde para as mulheres — "não é eficaz". O projeto de Fernández autorizará o aborto "no momento inicial" da gravidez, mas ele não especificou qual período é esse.
— A decisão individual da mulher de dispor livremente de seu corpo deve ser respeitada —completou.
Em 2018, a Câmara dos Deputados havia aprovado um projeto para a interrupção da gravidez até a 14ª semana de gestação, apenas pela vontade da mulher e em hospitais públicos, mas a medida foi rejeitada no Senado, em parte por influência da Igreja Católica sobre os legisladores. Cerca de 400 mil abortos clandestinos são realizados todos os anos na Argentina, de acordo com organizações de direitos das mulheres.
Sobre a reestruturação da dívida externa, o presidente quer um acordo que permita que a Argentina "se coloque de pé e não caia novamente". Mas a tarefa não será fácil, pois a tentativa é de renegociar a dívida de US$ 311 bilhões com credores diversos, baixando-a para US$ 195 bilhões, o equivalente a 57% do PIB do país.
Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) deu sinal positivo ao discurso do governo, pedindo aos credores que tenham boa vontade para conversar e que, eventualmente, aceitem reduções do valor das cotas e adiamentos dos pagamentos.
Em março, o país apresentará uma proposta aos credores, enquanto avança nas negociações com o FMI.
— Não há alternativa pior do que a austeridade fiscal nas recessões, pois leva à mais pobreza e desigualdade. Não pagaremos à custa da pobreza e da fome dos argentinos. Essa premissa será a base das ofertas que serão feitas nas próximas semanas — disse Fernández.
A Argentina está em recessão há quase dois anos, com a taxa de pobreza batendo na casa dos 40% e uma inflação de 53,8% no ano passado. Há dois anos, durante o governo de Mauricio Macri, a Argentina pegou um empréstimo de US$ 57 bilhões com o FMI, dos quais recebeu US$ 44 bilhões. Fernández, ao assumir, abriu mão do restante.