Por Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro
Advogada, professora de Direito Internacional da Unipampa
A saída do Reino Unido (Brexit) não é o único grave problema enfrentado pela União Europeia (UE): o novo coronavírus trouxe novas indagações acerca da crise vivenciada dentro do bloco. O complexo Brexit, que ainda está longe de um fim, já seria motivo para vários questionamentos do bloco europeu, tendo em vista suas implicações políticas, econômicas, jurídicas, comerciais, entre outras. No entanto, a chegada da covid-19, declarada oficialmente uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no dia 11 de março, deflagra um cenário obscuro para o modus operandi da UE.
Há unanimidade sobre o fato de que a covid-19 trará implicações severas para os diferentes Estados. Além dos inegáveis impactos econômicos já vivenciados e vislumbrados pela Comissão Europeia (CE), órgão Executivo da UE, as divergências entre os países membros do bloco se mostram mais acirradas durante essa crise pandêmica. Em um momento de gravíssima crise sanitária na Itália, com o aumento a cada dia do número de óbitos e casos confirmado, acompanhado do crescimento de casos na Espanha e Portugal, inicia-se uma divergência no bloco do continente. Nesse instante, a crise também se dá em relação ao fundo de emergência europeu.
A ideia dos países que se encontram mais afetados pelo coronavírus seria a de usar esse fundo de emergência para amenizar os já graves impactos da pandemia. No entanto, o primeiro-ministro neerlandês, Mark Rutte, bloqueou a proposta de países do sul da Europa de utilizar o fundo. França, Itália e Espanha alegaram que a covid-19 seria um "fato excepcional". O fundo europeu foi criado como proposta do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, em 2012, como forma de combater as crises financeira e econômica prolongadas de 2008. O objetivo do fundo era a execução adequada de outros quatro fundos do bloco por meio de um fundo geral, e também para que uma crise econômico-financeira não afetasse os recursos nacionais na execução dos orçamentos dos países membros.
Atualmente, o fundo possui 410 bilhões de euros, e o questionamento é que poderia ser emprestado aos países que o necessitam. Não obstante existam alguns critérios para o seu empréstimo, como estritas reformas econômicas (caso da Grécia em 2008), na crise da covid-19 países como Itália, França e Espanha solicitaram ao fundo que fossem retiradas as exigências para o empréstimo. A maior parte dos membros do bloco aprovou, mas Rutte preferiu esperar cautelosamente medidas de flexibilização que já haviam sido adotadas.
O argumento supracitado do primeiro-ministro neerlandês reflete uma crítica sobre o próprio gerenciamento da UE, e ao fato de países que obtiveram uma dívida pública controlada e menor entre 2016 e 2019, como os Países Baixos, onde a dívida pública caiu de 61,9% para 48,9%, sendo que, em contrapartida, a dívida do governo italiano, no mesmo período, aumentou-a de 134,8% a 136,2% e não teve o controle esperado.
Na verdade, essas discussões não são momentâneas, mas há maior dificuldade de diálogo em um momento de incerteza e tensão para todos os Estados. Há controvérsias se seria um aumento tão elevado da dívida, e ponderações questionando se a crise atual terá proporções mais devastadores do que a de 2008. A magnitude da crise atual está sendo analisada por economistas, tendo em vista o contexto adverso de uma pandemia ainda sem uma vacina para a profilaxia da doença.
O surgimento de vários atores na comunidade internacional, como organismos internacionais com personalidade jurídica, como o bloco supranacional da UE, e as organizações internacionais como a OMS, definem um contexto em que o Estado-nação não é preponderante. No direito internacional contemporâneo, faz-se necessária a habilidade de negociação por parte das autoridades estatais com os organismos internacionais em prol da sociedade internacional. O caso da pandemia da covid-19 torna evidente a impossibilidade de governar sem medidas eficazes para lidar com os efeitos de crises que tornam a população mundial completamente vulnerável.