Por Enrique Saravia
Consultor internacional, professor em universidades de Brasil, Colômbia, Equador e Alemanha
Anos atrás, um economista do Banco Mundial disse que os países se dividem em cinco categorias: desenvolvidos, subdesenvolvidos, Japão, China e Argentina. Ironias à parte, é verdadeiro que o caso da Argentina é único: um país cheio de soluções e condições favoráveis até a Segunda Guerra Mundial, quando paralisou e regrediu. E assim continua. Cabe se perguntar como será agora.
Um meme que circulou nestes dias dizia que “A Argentina é o único país do mundo em que, para tirar um governo que não conseguiu resolver os problemas, vota-se de novo em quem os provocou”. Não é possível analisar o país sem mencionar o protagonismo do peronismo. Vejamos.
Em 1943, um golpe militar derrubou o governo civil. Militares nucleados em um grupo secreto assumem progressivamente o poder. Entre eles se destaca o coronel Juan Domingo Perón. Em 1944, ele já era ministro da Guerra, secretário de Trabalho e Previdência e vice-presidente da nação. Ganha apoio popular com seus contatos com os sindicatos e os programas trabalhistas e, em 1946, é eleito presidente. Seu movimento (peronismo, ou justicialismo) permanece no poder até hoje, com intervalos. Em 1952, é reeleito. Em 1955, um golpe militar o derruba e ele se refugia no Paraguai, na República Dominicana e na Espanha. Em 1972, anistiado pelo governo da ditadura Ongania, retorna e é, novamente, eleito presidente. Morre no ano seguinte e o sucede sua esposa Maria Isabel Martinez de Perón, a “Isabelita”. Ela é derrubada em 1976 por um golpe militar que instaura uma ditadura (Videla) que dura até 1982. A partir dessa data se sucedem governos não peronistas (Alfonsín e De la Rúa), nenhum dos quais completa o mandato. E presidências peronistas: Menem, Néstor Kirchner, Cristina Kirchner e interinatos intermediários. Em 2016, o não peronista Mauricio Macri é eleito presidente. Em 2019, a fórmula peronista retorna com a chapa Alberto Fernández-Cristina Kirchner.
A primeira conclusão que é possível extrair é que, na Argentina, nenhum governo não peronista se mantém até o fim do mandato. Aparentemente, Macri será uma exceção. A Argentina, assim, é um país peronista. Apesar dos abusos e escândalos, o peronismo levou adiante uma política social paternalista que semeou a eterna gratidão de setores mais necessitados. Nessa área foi fundamental a presença de Evita Perón, que iniciou a criação de um mito. Ao mesmo tempo, os opositores eram qualificados como “inimigos da pátria”, “cipayos”, “vende-pátrias” e, obviamente, “inimigos dos trabalhadores”. Em princípio, a postura era nacionalista e estatista, mas isso foi mudando. Menem implementou um vasto programa de privatizações e se alinhou à política global dos EUA.
Durante a segunda ditadura militar, houve uma tentativa de tornar o peronismo um movimento de esquerda. Protagonista principal foi o grupo armado Montoneros. Mas é famoso o episódio em que Perón os expulsou de uma manifestação popular frente à Casa Rosada. O casal Kirchner cultivou a amizade com líderes esquerdistas de outros países, principalmente Fidel Castro e Hugo Chávez.
O discurso de ódio vingou na Argentina, como o demonstrou a recente campanha eleitoral no país. A tarefa de Alberto Fernández será dura, extenuante.
Cansados dos 12 anos do governo dos Kirchner, nas eleições de 2015 os argentinos elegeram Macri, um engenheiro-empresário que debutou na política como prefeito de Buenos Aires e que tinha passado, exitosamente, pela presidência do Boca Juniors. Desde o primeiro dia, o peronismo lhe aponta os canhões. Num ato simbólico, Cristina Kirchner se recusa a cumprir a tradicional cerimônia de transmissão do mando presidencial.
Macri leva adiante um programa discreto, orientado a sanear as contas públicas e a valorizar a imagem internacional do país. Porém, suas estratégias econômicas se revelaram desastrosas: mais pobreza e desemprego, inflação, queda da moeda, e manutenção do gigantesco déficit fiscal herdado. É verdade que teve de enfrentar a conjuntura mundial desfavorável. O eleitorado, majoritariamente descontente, optou pelo retorno do peronismo.
Alberto Fernández ocupou cargos importantes nos governos Kirchner, mas, aparentemente, não participou de nenhum escândalo de corrupção. Em certo momento se transformou em um feroz adversário de Cristina dentro do peronismo. Para surpresa geral, a então presidente o indicou para encabeçar a chapa à Presidência. A julgar pelos seus primeiros atos e declarações, Fernández pretende manter um estilo equilibrado, tendente a eliminar a imensa “brecha” que separa os argentinos. O discurso de ódio vingou no país, como o demonstrou a recente campanha eleitoral. A tarefa será dura, extenuante. A conjuntura internacional está difícil e, para agravá-la, o principal parceiro da Argentina, que é o Brasil, manifestou sua intenção de não cooperar. Tomara que a sensatez acabe prevalecendo.