A menos de 20 dias do primeiro turno das eleições, os dois principais candidatos à Presidência argentina parecem ter trocado de lugar. Enquanto Alberto Fernández já fala como presidente eleito, viaja ao Exterior para se encontrar com líderes estrangeiros e anuncia suas primeiras medidas, Mauricio Macri sai às ruas, infla o discurso populista e comanda marchas em mais de 20 cidades como um animador de auditório.
A curiosa inversão de papéis é consequência do resultado das eleições primárias de agosto, que deram uma vantagem imensa — de mais de 15 pontos — para o peronista.
A vantagem vem se colocando ainda maior nas pesquisas para o pleito do dia 27. Levantamentos mais recentes mostram que Macri pode ser derrotado já no primeiro turno.
O governo resolveu então intensificar a campanha, com as marchas do "sí, se puede" (sim, é possível) — que dão certo ânimo ao governo. Uma fonte da Casa Rosada se mostrou animada com a quantidade de pessoas que vêm comparecendo aos atos e afirma que entre a alta cúpula do governo todos acreditam que ainda é possível reverter o resultado.
De fato, as marchas realizadas até agora reuniram multidões na capital, Buenos Aires, e em Mendoza, Neuquén, Junín e Tucumán.
Acompanhado da mulher e da filha e vestido com roupas informais, Macri agita bandeiras e cartazes e não se furta a abraçar os apoiadores de modo efusivo, um comportamento pouco comum a seu perfil — sua fama é a de um presidente "mauricinho", com o perdão do trocadilho. Essa, porém, foi a mesma iniciativa que tomou às vésperas do segundo turno, em 2015, quando sua distância para o peronista Daniel Scioli era muito pequena — Macri ganhou a eleição com diferença de apenas 600 mil votos.
Em 2015 e agora, o presidente usa um método chamado por analistas de "peronização": peregrina por bairros populares, deixa-se fotografar abraçado a idosos e bebês e comanda as multidões aos gritos. Em Tucumán, chegou a beijar os pés de uma senhora de 70 anos.
Uma outra estratégia tem sido destacar com mais força temas que interessam ao eleitorado de direita, porque Macri precisa de votos de dois direitistas nanicos, José Luis Espert e Juan Gomez Centurión. Assim, sua posição sobre aborto, por exemplo, até então ambígua, agora é a de um "defensor da vida", com direito a lenço azul celeste, que identifica ativistas anti-aborto.
Em sua propaganda televisiva, sobram cenas de apreensão de drogas e prisão de narcotraficantes, outra bandeira da direita que ele vinha atenuando nos últimos anos, mas que voltou a empunhar com fervor, anunciando "tolerância zero" com o tráfico. Com isso, busca atrair especialmente os votos de Espert, que prega "prisão para vida inteira a estupradores" e "nenhum delinquente nas ruas".
Outras estratégias "peronistas", como reavaliar os ajustes, voltando a promover subsídios, ajudas assistenciais e redução de impostos, têm sido menos eficientes. Isso porque, a pedido de governadores, a Corte Suprema do país negou ao presidente o direito de reduzir o imposto provincial. Ainda assim, Macri tem voltado a campanha para a ideia de que é necessário ter paciência, que as mudanças que fez na economia darão frutos e que promete intensificar ações de combate à pobreza — que aumentou em seu mandato e hoje atinge a 35,4% da população.
Também na propaganda eleitoral, assim como nos comícios, incluiu um novo bordão: "estou escutando vocês" ou "eu te escuto, sei que não está fácil", na tentativa de responder às críticas de que teria deixado em segundo plano os efeitos da alta inflação (50% ao ano) na vida das classes média baixa e entre os mais pobres.
— Este discurso novo apela ao eleitor que se sentiu desamparado pelo governo, mas que não está totalmente desencantado e não quer votar nos kirchneristas — afirma o analista Carlos Pagni.
Enquanto Alberto Fernández planeja um grande ato em 17 de outubro, o chamado Dia da Lealdade, a data mais importante da agenda peronista, os macristas apostam numa marcha ainda maior, dois dias depois, a partir do Obelisco, no centro de Buenos Aires.