Em sua cidade, ou em Harare, com os "heróis" do país? A queda de braço entre a família de Robert Mugabe e o governo de seu sucessor, Emmerson Mnangagwa, em torno da última morada do ex-presidente do Zimbábue explodiu nesta quinta-feira (12).
O "herói" da independência da ex-colônia britânica, que se transformou em um tirano, faleceu em 6 de setembro, aos 95 anos, em um hospital de luxo de Singapura. Há anos ele recebia tratamento nessa instituição.
A repatriação de seus restos deu início, hoje, a uma série de homenagens oficiais que terão seu desfecho no sábado, em um funeral nacional no imenso estádio nacional da capital, com a presença de vários chefes de estado africanos.
Nos bastidores, trava-se uma verdadeira batalha entre seus familiares e o governo que o colocou no ostracismo.
Depois de vários dias de discretas negociações, um de seus sobrinhos anunciou de manhã que Robert Mugabe descansaria em sua aldeia contra a vontade do regime, que deseja enterrá-lo no "Campo dos Heróis" na capital, construído para acolher as glórias da "guerra de libertação".
"Seu corpo será exposto em Kutama (seu povoado) no domingo à noite e será enterrado na intimidade, na segunda, ou na terça. Não irá para o Campo Nacional dos Heróis", disse à AFP seu sobrinho Leo Mugabe, acrescentando que "é a decisão da família".
Em uma declaração posteriormente distribuída para a imprensa, a família lembrou que a decisão era "conforme os desejos do falecido Robert Gabriel Mugabe". Segundo eles, o ex-presidente manifestou claramente seu desejo de descansar na aldeia de Kutama, no distrito de Zvimba, a cerca de 100 quilômetros da capital, onde tinha uma casa.
- Contra sua vontade -
A família disse ainda estar "surpresa com que o governo do Zimbábue tente obrigar a aceitar uma programação de cerimônias fúnebres (...) contrária a sua vontade".
O presidente Emmerson Mnangagwa tentou esclarecer as coisas. "Dissemos que seria enterrado no domingo. Não se sabe como será o enterro, mas é uma decisão em aberto, e a família terá a última palavra", afirmou, depois de saudar os restos mortais de seu predecessor em sua luxuosa residência do "Teto Azul".
Leo Mugabe negou qualquer divergência entre o presidente e a viúva, Grace. "A família nunca anunciou que iria enterrá-lo em Zvimba (...) Apenas que o enterro será na mais estrita intimidade", afirmou.
A polêmica ilustra, mais uma vez, as tensões entre a família do ex-presidente e Mnangagwa, que já foi chamado por Robert Mugabe de "traidor".
O "caso" do funeral de Mugabe virou debate nacional.
"O governo deveria deixar que o enterrassem em seu povoado, se era o que queria", comentou o taxista Desire Benhure, de 28. "Ou ele vai se transformar em um fantasma", completou.
Longe da polêmica, autoridades, ministros, líderes do partido da situação e generais foram apresentar suas condolências à viúva, esta manhã. Entre eles, o líder da oposição, Nelson Chamisa.
Robert Mugabe deixou para trás um país abatido pela repressão - tão violenta quanto implacável - contra seus adversários e arruinado por uma interminável crise econômica e financeira.
O caixão de Robert Mugabe foi transportado à tarde, de helicóptero, para o estádio Rufaro, nos arredores de Harare. Milhares de pessoas esperavam pelo momento de vê-lo uma última vez.
Foi neste mesmo estádio que Robert Mugabe, em 18 de abril de 1980, assumiu o poder da antiga Rodésia, então sob o domínio branco de Ian Smith.
* AFP