BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, publicou nesta sexta-feira (26) uma portaria que estabelece um rito sumário de deportação de estrangeiros considerados "perigosos" ou que tenham praticado ato "contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal".
A norma também trata de casos de impedimento de ingresso ao Brasil e de repatriação.
Segundo a portaria do Ministério da Justiça, que recebeu o número 666, ficam sujeitos ao rito sumário estrangeiros suspeitos de terrorismo, de integrar grupo criminoso organizado ou organização criminosa armada, e suspeitos de terem traficado drogas, pessoas ou armas de fogo.
A norma também se aplica a suspeitos de pornografia ou exploração sexual infantojuvenil e torcedores com histórico de violência em estádios.
Caberá à autoridade migratória avaliar quem se enquadra no rol de pessoas consideradas perigosas, segundo a portaria.
A norma estabelece um rito sumário de deportação. O estrangeiro alvo da medida deverá apresentar defesa ou deixar o país voluntariamente no prazo de até 48 horas. Há a possibilidade de protocolar recurso, com efeito suspensivo, mas ele deve ser apresentado em até 24 horas.
A lei de migração atual estabelece que o deportando tem prazo não inferior a 60 dias para regularizar a sua situação migratória. A deportação pode ser executada se a regularização não ocorrer nesse período.
Existe um dispositivo na lei atual que prevê a redução desse prazo para as pessoas que tenham "praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal", mas não há especificação sobre como determinar quem se enquadra nesse item.
O ministro usou uma rede social para defender a nova norma. Segundo Moro, não faz sentido o Brasil esperar 60 dias para deportar um suspeito de terrorismo, por exemplo, mesmo que a pessoa nunca tenha sido condenada.
"Nenhum país do mundo, tendo conhecimento, permite que estrangeiro suspeito de crime de terrorismo ou membro de crime organizado armado entre em seu território. Ele é barrado na entrada e deportado. A regulação nova permite que isso seja feito de imediato", escreveu ele.
"Isso não muda a generosidade da lei brasileira com imigrantes ou refugiados, apenas impede o ingresso de pessoas suspeitas de envolvimento em condutas criminais gravíssimas e específicas. Não gosto do termo pessoa 'perigosa', mas é aquele utilizado pela lei ora regulada", completou.
O jornalista americano Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, escreveu também em uma rede social que, ao publicar a portaria, Moro faz "terrorismo".
"Hoje Sergio Moro decidiu publicar aleatoriamente uma lei [portaria] sobre como os estrangeiros podem ser sumariamente deportados ou expulsos do Brasil 'que tenham praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal.' Isso é terrorismo", afirmou.
A portaria do Ministério da Justiça foi publicada em meio às divulgações do Intercept Brasil, que revelou, em trocas de mensagens privadas entre o ex-juiz da Lava Jato e procuradores da força tarefa, ingerência do atual ministro da Justiça sobre as investigações da operação.
Greenwald é cidadão dos Estados Unidos e mora no Rio de Janeiro. Ele é casado com um brasileiro, o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), com quem tem dois filhos adotivos, também nascidos no país.
Advogados que acompanham o caso relataram à Folha preocupação com a nova norma.
Especialistas em imigração e em casos de deportação e extradição, por sua vez, criticaram a normativa baixada por Moro. Para eles, a decisão "é uma porta aberta para a arbitrariedade". O prazo de 48 horas, dizem, torna a possibilidade de recurso praticamente impossível, o que atenta contra o direito de defesa.
"Essa portaria tenta simplificar o modo de tirar um estrangeiro do país, sem o devido processo legal. A portaria me parece totalmente inconstitucional, porque viola as garantias individuais. Uma pessoa pode ser sumariamente expulsa do país sem as garantias de defesa que a legislação e a Constituição permitem", avaliou Marcelo Bettamio, advogado criminalista que atuou em processos de extradição.
Já Camila Asano, coordenadora de programas da ONG Conectas, argumenta que a portaria fere a lei de migração. "A lei de migração prevê uma série de garantias para que nenhum ato de impedimento de entrada [no Brasil] ou de deportação aconteça de forma arbitrária", diz.
"A portaria traz a possibilidade de deportação sumária, que a própria lei [de migração] coloca em 60 dias. Ao reduzir para 48 horas, você inviabiliza o recurso. Essa garantia mínima da legalidade se reduz a algo impraticável."