A Igreja católica destruiu arquivos sobre autores de abusos sexuais, reconheceu neste sábado (23) o influente cardeal alemão Reinhard Marx durante reunião histórica no Vaticano sobre a luta contra a pedofilia.
— Os arquivos que poderiam documentar estes atos terríveis e indicar o nome dos responsáveis foram destruídos ou inclusive não chegaram a ser criados — afirmou o presidente da Conferência Episcopal Alemã. — O abuso sexual de crianças e jovens se deve, em uma parte não insignificante, ao abuso de poder da administração — afirmou o cardeal alemão em seu discurso.
A Igreja católica alemã pediu desculpas oficialmente em setembro do ano passado após a publicação de um relatório que revelou agressões sexuais contra mais de 3,6 mil menores de idade, cometidas durante décadas por integrantes do clero.
Participaram da reunião da reunião 114 presidentes de conferências episcopais de todo o mundo convocados para falar sobre o acobertamento da pedofilia na Igreja católica. Marx lamentou que a instituição "em vez de punir os culpados", repreendeu e silenciou as vítimas.
— De fato, os direitos das vítimas foram pisoteados e deixados ao livre arbítrio de indivíduos — denunciou o cardeal de Munique e Freising.
Conhecido por suas posições progressistas, Marx criticou o fato de o "segredo pontifício" ser apresentado com frequência como justificativa pela Igreja e, pior ainda, em casos como o dos abusos sexuais cometidos por padres. Ele pediu mais transparência sobre os julgamentos realizados pela Igreja e exigiu a divulgação do número de casos examinados pelos tribunais eclesiásticos, assim como detalhes sobre os mesmos.
Em um gesto de aproximação, o religioso se reuniu na sexta-feira (22) de modo privado com 16 vítimas de abusos do grupo Ending Clerical Abuse (ECA), uma das entidades que convocaram um protesto neste sábado em Roma para exigir justiça imediata nos casos de pedofilia. O cardeal conversou em seguida com o papa Francisco sobre o encontro, que durou 90 minutos e foi solicitado pelo próprio Reinhard Marx, informou o Vaticano.
— A desconfiança institucional leva a teorias da conspiração sobre uma organização e a criação de mitos sobre ela. Isto pode ser evitado se os fatos forem expostos de maneira transparente — disse o religioso no evento desde sábado, no Vaticano.
O discurso duro do cardeal, transmitido por streaming, foi dedicado sobretudo à necessidade de transparência para recuperar o prestígio da Igreja. O influente cardeal fez um apelo à hierarquia eclesiástica a "dar um passo corajoso para a rastreabilidade e transparência" não apenas nos casos de abusos sexuais, mas também no "setor financeiro", outro tema sensível para a Igreja, acusada por finanças obscuras e demissões misteriosas.
A reunião oficial, que terminará no domingo (24) com um discurso do Papa, não deve adotar um documento final, mas durante as sessões de trabalhos pode estabelecer algumas medidas específicas