Pressionada e em meio a desculpas e promessas de "tolerância zero", a Igreja Católica começou nesta quinta-feira (21) a maior cúpula de sua história sobre abusos sexuais, reunindo no Vaticano 190 religiosos, incluindo 114 representantes das conferências episcopais do mundo todo, como a brasileira CNBB.
Na quarta-feira (20), o diário espanhol El Pais informou, com base em dados exclusivos, que o Vaticano recebeu 900 denúncias sobre o tema somente no ano passado – maior número já relatado.
Sem previsão de que seja redigida uma declaração oficial ou se publiquem orientações formais, a expectativa é de que o papa Francisco – em seus discursos nesta quinta e no próximo domingo – dê uma linha comum a bispos de todo o mundo no enfrentamento do problema, destacando entre outros pontos a escuta das vítimas – para a qual há um programa-piloto no Brasil.
A ideia é estimular a transparência ao tratar investigações sobre abusos, disse Nelson Giovanelli Rosendo dos Santos, representante brasileiro na Comissão Pontifícia de Proteção ao Menor criada pelo Vaticano. Segundo ele, a Igreja no Brasil já tem criado comissões e adotado regras para coibir abusos, como o decreto assinado este mês pelo arcebispo da Paraíba, dom Manoel Delson, que proibiu os padres de ficarem sozinhos com crianças e adolescentes.
No mês passado, a Arquidiocese foi condenada pela Justiça a pagar R$ 12 milhões de indenização por exploração sexual cometida por padres contra menores. A Igreja nega o crime e vai recorrer.
— Essas medidas se inserem no contexto de tudo aquilo pelo que a Igreja já está lutando há 30 anos. O papa quer que, em toda a Igreja, no mundo inteiro, se adotem medidas — disse Rosendo.
As movimentações pré-cúpula de muitas dioceses e conferências pelo mundo indicam mudança no modo como a Igreja trata o problema. O arcebispo Daniel N. DiNardo, presidente da conferência americana, deu uma declaração oficial, dizendo que "os abusos não serão tolerados" e "se você sofreu abuso sexual por parte de alguém dentro da Igreja católica, peço-lhe para contatar a polícia local e sua diocese."
No entanto, essa prática de assumir responsabilidades não era regra. Entre 1950 e 2013, só a Igreja americana recebeu cerca de 17 mil denúncias de casos que envolveram cerca de 6,4 mil integrantes do clero. O único número oficial já dado a respeito pelo Vaticano aponta para 3,4 mil abusadores identificados até 2014 e 400 padres expulsos entre 2011 e 2012 – mas nunca foram dados detalhes.
Dentro da Igreja, a maior resposta só veio no sábado passado, com a inédita expulsão pelo papa do ex-cardeal e arcebispo emérito de Washington (EUA) Theodore McCarrick, 88 anos, acusado de abusos sexuais a menores e seminaristas.
— Não se vai resolver esse problema em três dias. Servirá para nos conscientizarmos de que chegou o momento de nos responsabilizarmos e fazer justiça — afirmou o arcebispo de Malta, Charles Scicluna, homem de confiança do papa para investigar casos de abuso e um dos conferencistas.