Caminhar pelo roteiro de terror escrito a sangue pelos fanáticos do Estado Islâmico em Paris nos conduz a uma mistura de sentimentos. É o medo frequente e humano de um provável próximo atentado. Os franceses sabem que ele virá. Só não apostam quando. Esse mix de pensamentos começa com uma desconfiança, afinal, no metrô, nas ruas e nos cafés, qualquer um pode ser o próximo terrorista. O turbilhão mental passa por pequenos momentos de negação - o flanar de turistas, observados por franceses que saboreiam cafés no meio da tarde do domingo, como se nada tivesse acontecido. E chega às lágrimas. Só depois vem a revolta.
ZH levou três horas para percorrer, com mapa na mão, de metrô e táxi, o tour de horror da sexta-feira 13. À exceção do Stade de France, onde tudo começou, às 21h25min (18h25min em Brasília), todos os novos e infelizes pontos turísticos da capital francesa estão localizados a no máximo dois quilômetros de raio da Praça da República.
Palco da maior carnificina, a região do Bataclan, casa de shows que recebia 1,5 mil pessoas na hora do ataque, ainda está isolado. O máximo que se consegue chegar é até a esquina do Boulevard Voltaire com a Rue de Crussol. Ali, há uma faixa. Policiais permitem apenas o acesso de moradores locais. À esquerda, um memorial no chão tem velas, uma bandeira da França, muitas flores, a maioria brancas, uma foto e objetos improváveis como uma garrafa de vinho, um prato e um sapinho de pelúcia.
No Bataclan, morreram mais de 80 das 129 vítimas fatais. Essas ruas ao redor foram cenário dramático de pessoas buscando refúgio, pulando de janelas da casa de espetáculos ou se espremendo por portas. Brasileiro, há 15 anos morando na França, Daniel Teixeira, 32 anos, estava perto dali.
- Ouvi os barulhos, não sabia se eram de armas o do que eram. Saí dali correndo, e só caiu a ficha no dia seguinte, bem cedo da manhã. Foi uma barbaridade - diz o rapaz, que é instrutor de capoeira e trabalha em um hotel.
Moradores e turistas obedecem a uma romaria informal. Param em um desses pontos do terror, rezam, depositam velas e se dirigem, em silêncio, a outro.
Se no Bataclan a distância nos mantêm distantes do cenário da tragédia, na Rue de la Fontaine au Roi, ela se escancara. Toda a fachada de vidro de uma brasserie está cravejada de tiros. Lá dentro, é possível observar cadeiras e mesas viradas. Cinco clientes foram fuzilados ali. O roteiro de terror, que demoramos para percorrer caminhando, os terroristas cumpriram em meia hora.
Menos centrais, os restaurantes Le Carillon e Le Petit Cambodge, na esquina das ruas Alibert e Bichat, ainda exibem os cardápios do dia. No Carillon, ao lado da placa que mostra preços de queijo, café e salada, um cartaz adverte: "Nós somos muçulmanos. Vocês terroristas. Impostores". Uma mensagem simples, que tem a pretensão de reduzir a previsível onda de islamofobia que já aparece em frases como a de um francês que pediu para não ser identificado.
- Hoje, Paris está no meio dessa guerra. Eles preparam lá e vêm atacar aqui - afirmou o homem, referindo-se aos subúrbios da capital francesa, regiões formadas por muitos imigrantes, especialmente de origem árabe.
É a revolta que aparece, sentimento que toma, aos poucos, o lugar da tristeza. No Le Petit Cambodge, restaurante de comida cambojana, onde dois brasileiros foram feridos, um cartaz semelhante: "Isso não é o Islã".
Aqui, os extremistas abriram fogo contra quem estava sentado a mesinhas na calçada. Depois, viraram seus fuzis AK-47 para outro lado, em direção ao Le Carillon, como um pelotão de fuzilamento. Doze mortes. Ironicamente, na porta ainda está marcado em giz no quadro: Happy Hour, 18h-20h. O ataque ocorreu ali às 21h25min.
Há uma fila desorganizada, mas respeitosa, para depositar flores e acender velas debaixo do toldo bordô sujo de limo. Onde antes se podia ver o rastro de sangue, agora está coberto por flores. Rafaella, de três anos esperou o pai depositar a vela para empurrar com o dedinho um pequeno desenho que fez. A menina e o pai não explicam a ilustração, que mostra um homem de calça, camisa e touca pretas.
Como é outono na Europa, anoitece mais cedo. São 17h, mas parece 21h. Deixo o centro, de táxi, a caminho de Saint-Denis, onde fica o Stade de France. Percorro o trajeto contrário dos terroristas. Do lado de fora da grande arena, entre os portões H e D, três homens-bomba detonaram seus explosivos, causando a morte de uma pessoa, além dos próprios extremistas. Lá dentro, havia 80 mil pessoas, entre elas o presidente François Hollande.
Os acessos ao estádio estão interditados desde sexta-feira. Há carros da polícia com o giroflex ligados a iluminar fachadas de lojas de grifes esportivas fechadas. Pelas grades do estádio, é possível observar papéis pelo chão, copos de plástico e garrafas, como se a partida entre França e Alemanha tivesse terminado há pouco.
Enquanto sou assombrado pela imaginação - o que teria ocorrido se os terroristas tivessem entrado? -, recebo no celular um alerta: "correria na Praça da República", de onde acabara de sair. A polícia estaria caçando um dos terroristas em meio à multidão. Peço ao taxista para retornar ao centro. Era boato. Hoje e pelos próximos dias, Paris viverá entre a emoção, a revolta, o medo. E os boatos...
Confira o mapa dos ataques:
*Zero Hora