Muitos deles partiram quando adolescentes, garotos impulsivos incendiados pela indignação e que atravessavam a fronteira para o território controlado pelo Paquistão sem contar às suas mães.
Porém, mesmo militantes sentem saudades de casa.
- O meu primeiro contato com a minha mãe foi três anos após eu partir, e os meus pais não tinham ideia do que havia acontecido comigo. Ela estava chorando, e eu estava chorando - disse Abdul Hamid Rather, que deixou a Caxemira controlada pela Índia em 2001 quando tinha 14 anos.
Mais de 350 ex-militantes retornaram para a Caxemira controlada pela Índia recentemente em um esforço silencioso para lidar com o problema crescente de reabilitar algumas das centenas que deixaram seus lares nas últimas décadas para lutar pelo Paquistão em sua disputa separatista de longa data com a Índia sobre o território disputado.
- Acontece que isso não é tão perigoso quando pode parecer. É provavelmente melhor tê-los sob investigação na Índia do que fora do alcance no Paquistão - afirmou Shuja Nawaz, diretor do Centro da Ásia do Sul no Conselho do Atlântico, um grupo de pesquisa em Washington.
Além da perspectiva de ver os pais envelhecendo, caxemires, em seu vale com forma de tigela e suas vistas de tirar o fôlego, encontram um incentivo geralmente poderoso para baixar as armas.
Pelo novo programa, uma vez que um ex-combatente decida que quer voltar, a família preenche uma solicitação para as autoridades indianas. Se não houver mandados de prisão e nenhuma acusação de assassinato, a solicitação é geralmente aprovada. Depois disso, um ex-jihadista precisa se apresentar à polícia regularmente por pelo menos um ano.
Houve percalços no programa, que é tão discreto que nem mesmo recebeu um nome. Porque o Paquistão escolheu não participar, os que retornam precisam voar até o Nepal e atravessar para a Índia de ônibus ou carro. E com todos os esforços de paz entre a Índia e o Paquistão, o esforço foi sobrecarregado nas últimas semanas por uma das lutas mais mortais em uma década entre os rivais que possuem armas nucleares. Dezenas morreram, e a vida perto da Fronteira de Controle que separa as reivindicações da Índia e do Paquistão novamente se tornou perigosa e incerta.
No entanto, mesmo com a batalha em andamento, ex-militantes continuam escoando de volta para o território controlado pela Índia, onde os repatriados afirmam que encontraram a vida tanto melhor quando pior do que esperavam.
Ghulam Mohammad Mir, de 27 anos, estava com 14 anos e prestes a terminar o primeiro ano do ensino médio em 2000 quando um recrutador com quem uma vez ele tinha jogado críquete lhe perguntou se ele queria atravessar a fronteira. A fronteira era bastante permeável na época, e o recrutador disse a Mir e a quatro de seus colegas de classe que eles voltariam em apenas alguns dias, Mir contou.
Foi a primeira do que Mir e seus amigos logo descobririam seriam muitas mentiras.
- Ficamos presos lá - declarou.
Eles foram enviados a campos, onde por oito meses receberam doutrinação religiosa intensiva. Depois, por mais oito meses, tiveram treinamento sobre armamentos, inclusive metralhadoras. No final desse treino, Mir deixou claro que ele não tinha estômago para a guerra, contou. Assim, ele deixou os campos e começou a dirigir um tuk-tuk. Em 2007, se casou com uma paquistanesa e logo tiveram três filhos.
Ele gastou todas as suas economias para voltar para o território controlado pela Índia no ano passado, e desde então abriu uma pequena loja de chá. Dos quatro garotos que fugiram com ele, dois foram mortos, ele contou, um retornou e um permanece no território controlado pelo Paquistão.
Mir disse que o seu primeiro ano de volta foi desafiador. Os vizinhos tinham suspeitas. A sua documentação não estava em dia. Contudo, ele está convencido de que os seus filhos terão uma vida melhor na Índia do que teriam no Paquistão, com seus milhares de problemas econômicos, sociais e políticos.
- A minha vida é melhor aqui. Estou vivendo com a minha mãe, e isso é um prazer - declarou.
Khazir Mohammad Sheikh, de 32 anos, é menos animado. Ele partiu para o Vale Lolab em 1997 quando tinha 16 anos. Ele trabalhava em uma confeitaria aos 13 após o turno escolar, mas a luta levou ao fechamento da confeitaria e a sua própria decisão de partir para o Paquistão.
Ele é vago sobre como passou os seus primeiros anos no território controlado pelo Paquistão, mas se casou em 2002 e logo teve três filhos. Após a morte de sua esposa há um ano, ele decidiu retornar.
Agora, ele diz que está preso na terra de ninguém. O governo da Índia ainda precisa lhe dar os documentos de identificação que ele precisa para conseguir emprego, e ele não tem dinheiro para abrir uma confeitaria. Ele acredita que o governo indiano lhe deve um emprego para que ele possa recomeçar a vida.
- Ok, cometemos um erro e atravessamos para o lado do Paquistão. Agora, retornamos, e tudo o que estou pedindo é um pouco de ajuda. Quero um emprego - disse.
Sheikh falou enquanto sentava em uma cadeira de plástico com seu filho de dois anos no colo. Dois de seus quatro irmãos e 12 sobrinhas e sobrinhos permaneceram por perto enquanto ele falava. Nenhum tinha ido para o Paquistão. Filho pródigo, Sheikh estava pedindo benefícios que os seus próprios irmãos não tiveram.
Um desses irmãos, Ghulam Nabi Sheikh, trabalha como diarista e olhou para o seu irmão ceticamente.
- Estamos felizes com a volta do nosso irmão. Se o governo puder ajudá-lo, seria muito positivo. Se não puder, ele dará o seu próprio jeito - disse.
Omar Abdullah, o ministro chefe do Estado indiano de Jammu e Caxemira, reconheceu "problemas iniciais" no programa de repatriados. Conseguir a documentação apropriada para os homens e suas famílias e vagas na educação tem sido difícil, declarou.
- A cidadania deles é um território cinza e temos de resolver - disse.
Que tantos repatriados esperavam ganhar dinheiro e empregos públicos foi uma surpresa, contou Abdullah. Um problema que ele de fato antecipou foi a interferência das agências de segurança da Índia, e elas agiram como esperado, afirmou Abdullah.
O caso de Liaqat Ali Shah, que retornou em março, é frequentemente citado. Shah recebeu aprovação para voltar, porém um parente que devia encontrá-lo na fronteira, a sua esposa e filha com a carteira de identidade não compareceram.
Ele então foi preso, enviado às pressas para Nova Deli e acusado de planejar ataques terroristas na Índia. A polícia de Deli até descobriu um monte de armas e explosivos que eles alegaram que Shah tinha escondido em uma pousada perto de uma mesquita famosa de Nova Deli.
Todavia, as autoridades de Caxemira atestaram por Shah, e o caso contra ele desmoronou. Os investigadores desde então determinaram que as armas escondidas na pousada foram deixadas por um homem que vive no quartel policial de Deli. Abdullah chamou o caso de uma armação óbvia.
Em sua volta, Shah fez mais para envergonhar as autoridades indianas do que ele jamais poderia fazer na Caxemira controlada pelo Paquistão. Sentado em um carpete em uma casa rústica de Caxemira, a uma viagem de 20 minutos da estrada mais próxima, Shah contou o caso de sua prisão com grande deleite.
- Estou planejando dar uma coletiva de imprensa! - Shah disse enquanto o seu sogro, um ancião enrugado usando algo semelhante a um chapéu de mágico, se sentava com as pernas cruzadas e sinalizava com a cabeça.
Como muitos repatriados, Shah disse que esperava que o governo indiano lhe desse dinheiro, quase US$ 10 mil dólares, afirmou.
- Eu li nos jornais que eles estavam prometendo essa quantia em dinheiro - declarou.
É uma expectativa que espanta Abdullah, porém ele disse que o programa estava funcionando para a maioria das pessoas e certamente seria mantido.
- Não se é terrorista a vida toda. É muito possível que você mude de ideia - acrescentou.