Said Ola começou a estudar cedo para o setor do turismo em Zanzibar. Quando jovem, ele visitava um parque popular de frente para o Oceano Índico e se tornou um dos jovens conhecidos como "garotos da prática" por aprenderem inglês conversando com os visitantes.
Ola usou seu conhecimento de inglês para trabalhar como taxista e guia turístico para as multidões que se reúnem na ilha para mergulhar de snorkel, explorar plantações de pimenta e perambular pelas ruínas dos dias em que Zanzibar era a capital de um sultanato de Omã.
A exemplo da outra dúzia de guias turísticos reunidos recentemente à beira do parque na histórica Stone Town, Ola se recusava a acreditar que um morador local pudesse estar por trás de um ataque com ácido, em agosto, contra duas britânicas de 18 anos, um episódio que motivou críticas a uma ilha mais conhecida como um paraíso.
- Não somos tão burros - disse Ola, referindo-se à importância da receita do turismo. Segundo ele, sem os visitantes, "no fim das contas vamos terminar comendo capim".
Ali Abdul Kareem, outro guia, concordou. "Esta é a nossa vida. Nós dependemos do turismo", ele afirmou. Murmúrios de aprovação ecoavam pelo grupinho.
- Se soubéssemos quem foi, seríamos os primeiros a puni-los - disse outro guia turístico.
Os zanzibaritas temem que o ataque seja declarado um caso de extremismo islamita e que a ilha, de maioria muçulmana, seja marcada como território hostil a ocidentais. O ataque reforçou temores que remetem à descoberta de que um dos homens responsáveis pelo ataque a bomba, em 1998, à embaixada dos Estados Unidos em Dar es Salaam, maior cidade da Tanzânia, era de Pemba, a menor das duas ilhas principais que compõem Zanzibar.
Nos últimos anos, um grupo chamado Uamsho ("Despertar") tem reivindicado um arquipélago independente governado sob a lei islâmica, a sharia. Igrejas cristãs em Zanzibar foram queimadas e padres foram atacados nos últimos dois anos; um foi assassinado. No continente, um clérigo radical, xeique Ponda Issa Ponda, foi preso por incentivar a agitação logo após o ataque contra as britânicas. Ele foi baleado quando a polícia o prendeu.
Em Zanzibar, turistas bronzeados de sol com camisetas regata e shorts se misturam às mulheres envoltas em túnicas pretas. Em Stone Town, os visitantes consomem álcool principalmente em restaurantes de cobertura e bares de hotel, estrategicamente localizados longe da vista dos devotos locais. Aconteceram ataques contra bares em bairros da cidade, mas os lugares frequentados pelos turistas, e os visitantes em si, sempre foram respeitados.
- Foi um choque, para ser sincero. Nunca antes um estrangeiro se envolveu em um incidente do gênero - disse Ismail Jussa, zanzibarita de sexta geração que representa Stone Town na Câmara dos Deputados das ilhas.
Situado no meio das rotas de navegação do Oceano Índico, Zanzibar atraiu africanos, persas e árabes às suas costas durante séculos. As ilhas foram governadas de forma sucessiva pelos portugueses, omanis e britânicos antes de Zanzibar conquistar a independência, em 1963. No ano seguinte, as ilhas formaram uma união com a Tanganica continental; o nome Tanzânia é uma junção das palavras Tanganica e Zanzibar.
A pressão pela independência, ou de pelo menos maior autonomia em relação ao continente, ganhou novo vigor no ano passado depois que políticos e juristas começaram a trabalhar em uma nova constituição. A princípio, o status de união não poderia ser negociado, irritando os zanzibaritas nacionalistas.
- Quando o processo de revisão constitucional teve início, os zanzibaritas pensaram: 'É a hora certa de colocar este demônio para descansar' - disse Jussa, que disse preferir um Zanzibar com moeda própria, assento nas Nações Unidas e equipe olímpica, mas com política de segurança e defesa conjunto com o continente.
- Quanto mais você reprimir essa questão, mais a raiva se forma na geração mais jovem. -
Para muitos moradores, um Zanzibar independente, com a liderança certa, poderia se tornar um modelo para a África Oriental - uma Cingapura, Hong Kong ou Dubai. Os jovens lamentam a falta de empregos nas indústrias e de outras oportunidades além do turismo. Segundo eles, os hotéis ficam com uma parcela maior das receitas e os estrangeiros com melhor formação do Quênia ou Uganda ficam com os melhores empregos.
- Eles acreditam que quando Zanzibar se tornar autônomo, sua riqueza vai aumentar e teremos muitos empregos - disse Muhiddin Zubeir, secretário executivo da Associação dos Imames de Zanzibar. Contudo, segundo ele, os políticos do continente não "querem que Zanzibar seja livre".
Segundo o reverendo Cosmas A. Shayo, que chegou a Zanzibar em 1976 e foi ordenado padre católico no ano seguinte, na época do governo unipartidário, poucas pessoas em Zanzibar faziam diferença entre os locais e os do continente, onde os muçulmanos são minoria. Isso mudou quando tiveram início a reforma multipartidária, em 1992, e as distinções só aumentam.
- Do jeito que os muçulmanos falam nos comícios públicos, eles estão se manifestando abertamente contra a cristandade - disse Shayo, agora pároco da catedral de São José, em Stone Town. Para ele, há quem pense que "livrando-se dos padres e bispos, vão se livrar da união".
Duas igrejas foram incendiadas em maio de 2012 em meio a tumultos depois que a política prendeu os líderes do grupo separatista Uamsho. No Natal do ano passado, um padre foi baleado no queixo, mas sobreviveu. Outro padre, Evaristus Mushi, foi morto a tiros dia 17 de fevereiro.
Durante missa em suaíle em um domingo recentemente na catedral de São José, jovens ficaram do lado de fora observando estranhos.
- Juntando todos esses fatores, existe alguma coisa - afirmou Shayo.
- A motivação poderia ser religiosa. Pode até ser política. -
Contudo os problemas em Zanzibar não atraíam muita atenção fora da Tanzânia antes do ataque de 7 de agosto contra duas jovens londrinas que atuavam como professoras voluntárias. Dois homens em um ciclomotor banharam as adolescentes com ácido enquanto elas caminhavam em Stone Town, queimando seu rosto, peito e mãos. De acordo com denúncias, eles teriam rido antes de fugir.
O presidente da Associação dos Investidores no Turismo de Zanzibar, Abdulsamad Ahmed, recebeu um telefonema logo após o ataque e correu para o hotel onde as moças foram levadas. Enquanto indivíduo, ele se disse chocado com a crueldade. Enquanto empresário, ficou apavorado com as consequências.
Enquanto a maior parte de sua família buscou oportunidades no estrangeiro, no Oriente Médio, Grã-Bretanha e Canadá, Ahmed começou alugando quartos no prédio da família de três andares de pedra, em 1995, para mochileiros por apenas US$ 5 o pernoite. Ele investiu os ganhos em um resort à beira-mar, aberto em 1998 com seis cabanas cobertas com sapé, sem eletricidade nem água corrente. Agora, o resort conta com 70 quartos, com ar condicionado e acesso à internet.
Segundo a Associação, o turismo responde oficialmente por pouco mais de 25% da atividade econômica da ilha, mas por 70% de seus ganhos com receita cambial. Quinze mil pessoas trabalham diretamente com turismo, e 50 mil são empregadas indiretamente - como cambistas, artistas ou como os pescadores tradicionais Tinga Tinga, cuja pesca termina nos restaurantes dos hotéis.
Como muitos zanzibaritas, Ahmed não se mostrava disposto a aceitar que a escalada do extremismo pudesse ser a culpada, dizendo afirmar que o ataque foi pessoal.
- Não foi perseguição religiosa, nem muçulmanos que não gostam de cristãos. -
Os guias no parque sugeriram que o ocorrido poderia ter sido uma conspiração para afastar turistas de Zanzibar de autoria de concorrentes na costa do Quênia ou tanzanianos do continente, para sabotar a busca pela independência.
- A questão poderia ter base política, como danificar a imagem de Zanzibar - disse Ola.
- Se você quiser controlar as pessoas, deixe-as sofrer. É isso o que está acontecendo. -