Porto Príncipe, Haiti - Orfanatos lotados de crianças marcam a paisagem aqui, alguns deles com indicações coloridas e reluzentes do lado de fora do portão, e outros sem sinalização, em ruas afastadas. Mas muitas das crianças não são órfãs, e uma campanha já em andamento quer fechar o máximo possível dessas instituições.
No jardim de um dos orfanatos, Chris Savini, um missionário do Illinois, ninava um menino de 10 meses de idade. A mãe da criança morreu, e seu pai, Luxe Etienne, sobrecarregado com oito crianças, deixou seis delas em orfanatos.
- Ele sabia que era a melhor saída para o filho dele - disse Savini, que conseguiu para o pai que um casal norte-americano adotasse o bebê do orfanato Mission Une Seule Famille en Jesus Christ, na periferia de Porto Príncipe.
Tais façanhas têm sido comuns aqui. Depois do terremoto de 2010, ficou claro que a maioria das crianças nas centenas de orfanatos no Haiti tem pais com vida, já que 10 norte-americanos foram presos por ficarem com a custódia de 33 crianças que eles diziam acreditar serem órfãos e tentar atravessar a fronteira da República Dominicana com eles. Logo em seguida descobriu-se que todas as crianças tinham pais vivos no Haiti.
Desde então, um consenso tem tomado forma entre autoridades governamentais, defensores de crianças, líderes religiosos e outras pessoas, de que é necessária uma nova abordagem, começando com a redução do número de orfanatos. Mas a transição não será fácil, e alguns se perguntam se o país está preparado para ela.
Das quase 30 mil crianças nas instituições do Haiti e das centenas adotadas por estrangeiros todos os anos, 80% delas tem pelo menos um dos pais vivo, estima o governo haitiano.
A decisão dos pais haitianos de entregar suas crianças para orfanatos é motivada pela pobreza extrema. Outra razão é que as famílias numerosas são comuns, e muitos pais sem condições de pagar as taxas escolares acreditam que os orfanatos pelo menos oferecem educação básica e comida.
Em uma visita recente ao orfanato que cuida de seus dois filhos, Etienne disse ter sofrido para ganhar a vida como empreiteiro e mal podia sustentar seus dois filhos que continuaram em casa. As taxas da escola privada delas, o equivalente a 237 dólares por ano, pesam no orçamento.
- Se eu tivesse uma renda suficiente, eu os teria levado de volta para casa - disse ele abraçando seu filho.
Segundo regras colocadas em vigor em novembro para cumprir com a Convenção de Haia sobre a Adoção Internacional, o governo haitiano pretende ter um papel mais amplo na regulamentação das adoções. Em casos envolvendo crianças que não são órfãs, o governo pretende se reunir com os pais biológicos no começo do processo para obter seu consentimento e oferecer assistência, como capacitação para empregos, se eles quiserem que os filhos continuem com eles.
- Não queremos que a pobreza seja a única motivação - disse Arielle Jeanty Villedrouin, que coordenava os serviços de saúde e bem estar das crianças no Haiti no ano passado. - Em muitos dos casos no passado, essa era a única motivação.
Para diminuir o número de orfanatos, o governo também começou a inspecionar as instituições da capital e das províncias e tentou fechar aquelas em piores condições e reunir o maior número possível de crianças com suas famílias. Uma grande maioria de orfanatos não tem autorização, e apenas 67 são credenciados. Antes deste ano, o governo nem sabia o número de instituições em funcionamento.
A Mission Une Seule Famille en Jesus Christ, onde o filho de Etienne espera para ser adotado, abriu em 2005, mas seu diretor, Joseph Kesnel, disse ter conseguido o formulário para autorização somente em outubro. Os inspetores ainda não visitaram o orfanato, mas já havia sinais de problemas, incluindo crianças reclamando que não tinham o suficiente para comer, um cheiro de urina e um bebê sem fralda no pátio sujo.
Com uma equipe de 160 inspetores, financiados, em parte, pela UNICEF, o governo examinou 725 orfanatos e achou 119 em condições tão precárias que deveriam ser fechados. Mas fechá-los de verdade é outro problema. Desde setembro de 2011, apenas 25 deles foram fechados.
Em junho, quando foi fechado o orfanato Soeurs Redemptrices de Nazareth, nas montanhas perto de Porto Príncipe, três das 64 crianças tiveram de ser hospitalizadas com desnutrição, segundo os oficiais, e outras mostraram sinais de mordidas de rato e sarna. A diretora, a Irmã Dona Belizaire, foi presa sob suspeita de tráfico de crianças. Seus apoiadores começaram uma campanha na internet afirmando que ela está sendo mantida presa sem motivo.
Os fechamentos, porém, pararam, porque há muito poucos orfanatos autorizados que podem receber crianças enquanto o governo procura suas famílias, disse Villedrouin, a oficial encarregada da saúde e bem-estar das crianças.
- Eu deveria fechar entre 60 e 100, mas os outros orfanatos já estão cheios, e eu não tenho o espaço para realocar as crianças - explicou.
Para facilitar a transição, o governo planeja dar às famílias reunidas algumas centenas de dólares, bem como pagar pelo menos por um ano de escola. Mas o maior desafio é persuadir as famílias a não mandarem os filhos para os orfanatos de jeito nenhum.
Ulsonyte Pierre Louis Dauphin colocou suas duas sobrinhas em um orfanato, o Croix Glorieuse, depois que seus pais desempregados não podiam mais tomar conta delas. Ano passado, ela recebeu uma ligação das autoridades dizendo que iriam fechar o orfanato e que as garotas deveriam voltar para a família.
As autoridades não divulgaram o principal motivo do fechamento: suspeita-se que os funcionários tenham abusado de algumas crianças. Já que o Departamento de Justiça não tinha provas suficientes para fazer acusações criminais, segundo as autoridades, eles confidenciaram suas suspeitas apenas aos pais cujos filhos poderiam ter sido vítimas.
As autoridades, de fato, disseram a Dauphin que o orfanato tinha comida insuficiente e condições precárias nos dormitórios, segundo ela.
- Algumas pessoas abrem orfanatos, e estão ajudando as pessoas que precisam de ajuda - ela disse. - Mas outros abrem orfanatos e não cuidam das crianças, e estão ganhando milhões.
Brad Johnson, diretor do orfanato e escola da Mission of Hope Haiti, aplaudiu o objetivo do governo de manter as crianças com suas famílias, mas disse que isso não deve se tornar realidade até que a economia do Haiti tenha melhorado. Muitos haitianos continuam em situação financeira tão precária, segundo ele, que a qualquer momento em que uma família sofre uma perda ou perde o emprego, os pais consideram colocar os filhos no orfanato.
- Quando não houver crianças sentadas nas ruas morrendo, aí não teremos mais orfanatos - disse ele. - Neste momento, a realidade é que precisa haver orfanatos no Haiti.
The New York Times
Haiti quer reduzir número de orfanatos onde a maioria das crianças não é órfã
Cerca de 80% das crianças haitianas deixadas em instituições ou adotadas por estrangeiros têm pelo menos um dos pais vivos
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