Uma das dúvidas que permanece no caso das empresas que encaminham empréstimos consignados mesmo sem falar com os beneficiários é sobre como bancos e financeiras têm acesso ao ato de concessão do benefício e aos nomes e contatos dos recém-aposentados antes mesmo de os próprios segurados serem notificados pelo INSS. Esse acesso aos dados dá início a uma perseguição para ofertar crédito consignado.
O INSS inaugurou uma força-tarefa para averiguar, com apoio da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, mas não há data para a conclusão dos trabalhos. A hipótese levantada pelo órgão previdenciário como mais provável é o vazamento destas informações.
A reportagem solicitou à assessoria de imprensa e também via Lei de Acesso à Informação (LAI) a lista de eventuais servidores que responderam a processos administrativos disciplinares nos últimos dez anos por suposta prática da fraude, mas a resposta foi de que "não há dados consolidados".
"Protocolo de integração" com os bancos
Se, por um lado, há dúvida sobre a origem do vazamento, é fato que os bancos têm acesso formal aos dados do instituto de previdência, embora o órgão não esclareça qual a extensão de informações que ele abre aos agentes financeiros.
O INSS e o Dataprev têm um "protocolo de integração" com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Além disso, os órgãos públicos mantêm convênios de cooperação técnica com as instituições financeiras. É por meio destes acordos que os bancos, de forma digitalizada, transmitem ao Dataprev os detalhes dos contratos de crédito consignado que efetuam com aposentados, o que garante as futuras retenções para o pagamento das parcelas.
A reportagem questionou ao INSS quantos acordos de cooperação técnica existem atualmente e qual a profundidade de acesso à informação que eles garantem aos bancos. Na resposta, o órgão remeteu cópia do contrato 52/2014, assinado em conjunto com 14 bancos, incluindo os maiores do Brasil. No documento, o INSS é o contratante e as instituições financeiras são as contratadas para a "prestação dos serviços de pagamento de benefícios".
A cláusula segunda do acordo confirma que o poder público repassa dados de aposentados aos bancos: "Os serviços objeto deste contrato serão prestados pelas contratadas, com base nas informações individualizadas por beneficiários a serem remetidas pelo INSS, por meio da empresa Dataprev".
Mais adiante, os bancos se comprometem, no acordo, a "preservar o sigilo de todas as informações a que tenham acesso em decorrência do contrato firmado com o INSS". As referências são abrangentes, sem explicitar quais dados dos aposentados são franqueados.
— Qual alcance os bancos podem ter nas bases de dados através dos protocolos de cooperação técnica? É o que estamos buscando saber — diz Ione Amorim, do Idec, sobre o sigilo que cerca as parcerias.
Contrapontos
Bradesco
"O Bradesco não opera com o correspondente BrCred desde março de 2018 e já está tomando as medidas cabíveis do ponto de vista jurídico. O banco não compactua e não estimula o assédio comercial a aposentados."
Anelise Oliveira, administradora da AneCred
"Na qualidade de administradora da empresa AneCred Empréstimos e Assessoria Jurídica, informo que esta empresa não pratica nem pactua com nenhuma prática ilegal nem tampouco antiética".
Tifim Crédito
"Nós, da Tifim, não compactuamos com vendas irregulares. Uma simulação de empréstimo consignado para aposentados pode ser feita por qualquer pessoa tanto por telefone quanto pessoalmente! Informando a renda ou a parcela que gostaria de pagar! Trata-se apenas de 'simulação de crédito', não de contratação.
A Tifim não fica sabendo da concessão da aposentadoria. O que a empresa faz é enviar cartas a um nicho de possíveis clientes que estão ou não aposentados com estudo de agência de marketing e ferramentas que contratamos do mercado.
Tanto que para aposentados/pensionistas do INSS e servidores públicos ofertamos o crédito consignado. Para pessoas físicas e jurídicas ofertamos crédito pessoal. A carta da Tifim enviada aos possíveis clientes é clara no sentido de que oferece crédito para 'aposentados', 'pensionistas' e 'servidores públicos'. Se ela chega a uma pessoa que é recém-aposentada ou que acabou de dar entrada em seu benefício, é mérito da agência de publicidade. Ademais, a Constituição diz que 'ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei'. Não há lei que proíba de ser feita propaganda, seja ela por rádio, televisão ou por jornal impresso, ou como viveriam tais meios de comunicação? Se a pessoa que recebe uma carta não tem interesse no empréstimo, é só jogar fora, como faz, aliás, com outras propagandas.
O direito de fazer propaganda é um direito derivado ao da liberdade de iniciativa econômica, relacionado à liberdade fundamental de manifestação e comunicação de ideias e pensamentos tanto em seu aspecto emissor, quanto em seu aspecto receptivo (direito dos cidadãos à informação — Art. 5º, IX e Art. 220, ambos da Carta Maior).
O Código de Defesa do Consumidor assegura a publicidade, desde que não ludibrie o consumidor. Não compactuamos com vendas de empréstimos feito a terceiros. Pois todo empréstimo realizado somente é pago com contrato físico assinado pelo titular ou assinado digitalmente com foto e confirmação eletrônica! Simulação pode ser feito a qualquer pessoa que entre em nossa loja e solicite.
A Tifim tem uma enorme responsabilidade em fazer venda consciente ao aposentado. Tanto é que nós, perante os bancos, somos responsáveis por qualquer irregularidade da contratação sendo passível de todo ônus do contrato em uma possível fraude! A questão de dizer que os funcionários fazem 'incessantes ligações a segurados' é subjetiva. Uma ou duas ligações podem ser consideradas um absurdo por uma pessoa e não por outra, bem como ser considerado bom por outras pessoas que estão em busca de crédito. É uma questão apenas do interesse daquele que recebeu a propaganda".
Banco BMG
"O BMG atua em conformidade com as boas práticas de mercado e jamais compactuaria com ações que se caracterizam em desobediência deste princípio e das leis. A instituição financeira informa que não comunga com a base de dados, bem como não aprova as práticas de atendimento e abordagens da Tifim Crédito. A correspondente em questão atua com outros players do mercado, não sendo uma representante exclusiva do BMG. Toda a rede credenciada do banco é orientada a agir a partir de um Código de Ética com estrita obediência às normas. O banco afirma, ainda, que irá instaurar uma apuração interna sobre o caso."
Itaú
"O Itaú Unibanco preza pela ética e legalidade na gestão dos negócios e não compactua com a postura descrita na reportagem. O banco está apurando a denúncia e tomará as medidas cabíveis".A reportagem ligou para o telefone 0800 da BrCred, mas não houve retorno aos pedidos de contato com a direção da empresa. Também foi tentado contato pelos números de telefone informados no CNPJ da empresa, mas um deles não respondia e outro é de um mercado.