Na tentativa de abrir com aspecto de legalidade grandes casas de jogos em Porto Alegre, alianças entre empresários locais e investidores internacionais montaram estratégia jurídica para escapar da repressão policial enquanto a legalização da atividade aguarda análise do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Reportagem do Grupo de Investigação (GDI) mostrou que o Rio Grande do Sul entrou na rota internacional das casas de jogos – com operadores de cassinos da Europa e dos Estados Unidos em busca de locais para instalação de investimentos no Estado. A estratégia envolve o resgate de decisões judiciais antigas, interpretação de leis e tentativa de aproximação com o governo.
Confira abaixo os itens da tática judicial das casas de jogos e os comentários dos juristas Ives Gandra Martins e Gilson Dipp:
Tentativa de garantir a não repressão policial
O fato: O Jockey Club Carazinhense interpelou o secretário de Segurança Pública, Cezar Schirmer, para dar ciência de um acórdão de 1999 que declarava a atividade turfística como legal. Diante disso, o Jockey pretende abrir uma casa de jogos em Porto Alegre com a garantia de que não sofrerá repressão.
O que disse Schirmer: Em ofício de três páginas, respondeu que "cumprirá a lei e a decisão judicial".
O que diz Ives Gandra Martins: "Em tese, se há uma decisão judicial protegendo, ela tem de ser cumprida pelo Estado. Se o acórdão não foi modificado, ele pode ser de até cem anos atrás, não há problema. O que precisa ser avaliado é se ele realmente protege".
O que diz Gilson Dipp: "O teor da decisão me parece dizer respeito ao turfe. O que pretendem agora? Ampliar a casa de apostas para outras modalidades além do turfe? É o primeiro passo para encobrir outros jogos. A administração pública não poderia se abster baseada em decisão de caso concreto de 1999, em Carazinho".
Proposta de reabertura da Lotergs no Estado
O fato: Depois da interpelação judicial ao governo, o Jockey Club Carazinhense protocolou na SSP proposta de reativação da Lotergs, com destinação da arrecadação de impostos a um fundo a ser criado para a segurança pública.
O que disse a SSP: Admitiu interesse na criação de um fundo para aparelhar a segurança com multiplicidade de receitas, mas negou que qualquer documento tenha sido protocolado com a sugestão de retomada da Lotergs.
O que diz Ives Gandra Martins: "Há possibilidade (de reabrir a Lotergs). Se outros Estados adotam com amparo judicial, não vejo porque o Rio Grande do Sul ficaria impedido de ter, desde que obedecendo a legislação. Pelo princípio da isonomia, poderia ser utilizado".
O que diz Gilson Dipp: "Isso é possível, o protocolo (da sugestão) é possível, mas a decisão e o exame são por critérios da administração pública. O preocupante é que o mesmo grupo que pede para não ser reprimido faz o protocolo da Lotergs. É o empresariado do jogo tentando abrir brechas na administração pública".
Operar casas de jogos amparados na Lei do Turfe
O fato: A partir da Lei do Turfe, que permite apostas em corridas de cavalo, o Jockey Club Carazinhense pretende oferecer bingo de cartela amparado no artigo 14 da norma, que autorizaria as entidades a atuarem em "outras modalidades de loteria".
O que diz a SSP: Não se manifestou especificamente sobre a matéria. Nos bastidores, informa que cumprirá a decisão judicial que autoriza jogo turfístico. Destaca ações recentes da Polícia Civil, nas distintas fases da Operação Vegas, para indicar que não irá compactuar com a exploração de jogos de azar ilícitos como bingos, caça-níqueis e cassinos.
O que diz Ives Gandra Martins: "Eu tenho dúvidas se poderia ter essa extensão, fazendo outras coisas que não o turfe. Na Lei do Turfe, o jogo somente foi permitido para melhorar a raça equina, manter a produção nacional e a cultura a partir desse dinheiro. O objetivo não era dar lucro, mas ter recursos para melhorar a qualidade equina".
O que diz Gilson Dipp: "É uma interpretação forçada, inviável. Aproveitar uma autorização judicial de um caso específico de Carazinho não possibilita que se abra outra atividade ligada ao jogo de azar".
Aguardar decisão de Brasília
O fato: O Supremo Tribunal Federal irá julgar se o artigo 50 da Lei das Contravenções, que criminaliza a exploração do jogo de azar, continua sendo constitucional ou se deve ser derrubado. A decisão terá repercussão geral, ou seja, passará a ser regra para todo o país. No Senado, tramita projeto de lei para legalizar e regulamentar o jogo de azar no Brasil. Decisões de Brasília garantiriam maior segurança jurídica e, no ramo do jogo, há expectativas de avanço legal.
O que diz a SSP: A posição manifestada é de que serão cumpridas as leis e das decisões judiciais.
O que diz Ives Gandra Martins: "A repercussão geral pode demorar, mas tenho impressão que vai por ponto final na questão. No momento, se há uma decisão favorável, ela deve ser cumprida. A segurança jurídica é um risco. Se for modificado o acórdão, eles perdem. É uma questão de oportunidade e risco. O projeto de lei para legalizar nos colocaria no nível de outros países e traria receita adicional para a coletividade"
O que diz Gilson Dipp: "Do STF, não se espere uma decisão em menos de três ou quatro anos. A Lei das Contravenções não foi revogada e me parece que isso seria matéria do Congresso, mas o STF está legislando em quase tudo. A decisão do Supremo será meramente de política penal, se continua ou não como contravenção (para legalizar, precisaria de aprovação de lei). O prudente seria esperar as decisões, mas a pressa desse pessoal já os levou a investir".