A conhecida prática de angariar apoio político durante as eleições com promessa de cargos públicos ganhou novo status em Triunfo.
O toma lá, dá cá teria sido registrado em papel e assinado, em um documento intitulado "Acordo Extrajudicial". É o que denuncia um soldador desempregado, que concorreu a uma vaga de vereador pelo PMDB. Ele apresenta o documento como indicativo de que recebeu proposta de cargos e de apoio financeiro para apoiar a coligação adversária.
Depois de concluída a eleição, no entanto, a tratativa não foi cumprida pelos supostos interessados no negócio. A novidade na prática do troca-troca é que a negociata teria sido registrada em um acordo extrajudicial assinado pelo prefeito e pelo vice-prefeito eleitos em 2016, Valdair Gabriel Kuhn, o Belô (PSB), e Orison Donini Cezar Junior (PSDB).
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Conforme o soldador Jardel Palhano Barth, os então candidatos Belô e Orison, que integravam coligação adversária a dele, o teriam procurado em meados de setembro pedindo apoio político. Em troca, dariam CCs, o comando de uma secretaria, além de gasolina e verba para produção de material de campanha.
O caso foi denunciado por Jardel nesta terça-feira à Procuradoria Regional Eleitoral. Conforme Lucas Ceccacci, advogado de Jardel, o caso poderia configurar compra de voto pelo artigo 41-A da lei das eleições e agora por, ter passado os prazos para as ações cíveis, será apurado como crime eleitoral previsto no artigo 299 do Código Eleitoral.
O documento apresentado por Jardel tem três cláusulas que descrevem o que ele deveria fazer na campanha. Além de gravar um vídeo de apoio à candidatura de Belô e Orison, ele tinha que participar de caminhadas e também colocar a trabalhar na campanha as 10 pessoas que depois ocupariam os cargos em comissão. Conforme Jardel, essas pessoas deveriam, preferencialmente, ser chefes de família a fim de que pudessem garantir os votos também dos parentes.
Quando recebeu a proposta, Jardel disse ter procurado o candidato a prefeito de sua coligação, Mauro Poeta (PMDB).
– Ele me disse que tinha a vida feita e não precisava da prefeitura. Me liberou para aceitar, dizendo que eu podia fazer qualquer coisa, desde que dentro da lei – lembra Jardel.
O soldador sustenta ter acreditado que o negócio nada tinha de irregular:
– Eles (a coligação adversária) vieram com vários advogados, gente importante na cidade, e disseram que estava tudo dentro da legalidade. Eles têm de oferecer tudo isso para a gente que é do povo enganar o próprio povo. Fico triste porque eu sinto que usaram da minha simplicidade para enganar as pessoas. Pois quando procurei eles para cobrar a promessa, disseram que o documento não tinha mais valor jurídico. E os votos que obtive para ele fizeram a diferença.
Belô se elegeu com 6.701 votos, apenas 162 a mais do que o segundo colocado na eleição, Gaspar dos Santos (PP). Ainda segundo Jardel, advogados atuaram dando suporte jurídico ao negócio, sempre garantindo que nenhum ilícito estava sendo cometido:
– A advogada chegou a me dizer que se tivesse alguma irregularidade, ela quebraria a carteira da OAB.
Depois que começou a cobrar a promessa, o soldador desempregado ouviu que o documento não tinha valor. Teriam dito, apenas, que tentariam arrumar um cargo para ele. Recentemente, Jardel diz ter descoberto que estava nomeado na prefeitura para ocupar um cargo em comissão de assistente de gestão financeira (CC7).
– Estava nomeado e nem sabia. Nunca me chamaram para trabalhar. Quando descobri, pedi demissão. Recebi R$ 600 de rescisão. Dá para entender por que eles tiveram que aprovar agora (a Câmara de Vereadores aprovou, em sessão no último dia 6, o projeto de lei do Executivo) a criação de 63 cargos em comissão. Eles usam CC como brinde para eleitor – finaliza.
Uma das obrigações assumidas pelo então candidato a vereador Jardel Palhano Barth em troca de cargos e apoio financeiro foi a gravação de um vídeo (veja no player acima) para a campanha de Valdair Gabriel Kuhn, o Belô (PSB), e Orison Donini Cezar Junior (PSDB).
O material foi produzido para ser divulgado em redes sociais. Segundo Jardel, depois do desacerto com a promessa de cargos, Belô e Orison teriam ordenado que ele eliminasse fotos e vídeos feitos em parceria na campanha. ZH teve acesso ao material.
Na gravação, Jardel se dirige aos eleitores dizendo:
– Tomei uma decisão de coragem, decisão onde você será o maior beneficiado. Me coloquei à disposição para apoiar o candidato Belô, porque não vejo outra opção para transformar Triunfo, que não seja o candidato do 40.
Abraçado aos então candidatos Belô e Orison, Jardel discursa defendendo que a dupla é o melhor para a cidade.
– Triunfo não pode continuar afundando, tem que continuar andando nas mãos de pessoas competentes e humildes. Estou aqui porque penso nos meus eleitores, penso em Triunfo. Triunfo vai sair desse momento de decepção política – sustenta Jardel.
Já no final da gravação, Belô fala:
– Eu gostaria de agradecer a nosso candidato Jardel pela atitude de coragem. Jardel percebeu nosso compromisso com o povo triunfense trazendo seu apoio a nossa candidatura. Muito obrigado, Jardel.
O candidato a vice também se manifesta:
– Seja bem-vindo, Jardel, à campanha que pensa em Triunfo e que respeita as pessoas. Tua atitude é de quem quer a verdadeira mudança.
A harmonia e a "crença" em mudanças na política terminaram logo depois da eleição, quando Jardel não recebeu o que esperava em troca de seu apoio. Agora, ele diz:
– Aquele virar a página, eles fizeram tudo ao contrário, fizeram como a política antiga de Triunfo. Eles compraram voto, mentiram, corromperam pessoas humildes e trabalhadores.
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CONTRAPONTOS
O que diz o prefeito Valdair Gabriel Kuhn, o Belô (PSB):
"O documento é falso ou montagem e o senhor Jardel tentou chantagear o prefeito e o vice, que fizeram ocorrência policial. O senhor Jardel foi nomeado para um CC em 23 de janeiro e foi exonerado em 8 de fevereiro. Durante sua nomeação criou vários atritos e foi exonerado por não cumprir a carga horária", diz o prefeito.
Como o documento teria sido assinado em setembro, Belô alega que não foi assinado por ele, que usava outro padrão de assinatura à época: "É a assinatura que passei a usar a partir de janeiro. Estabeleci novo padrão de assinatura para ter mais agilidade. Não temo perícia. Tem que ter perícia para ele responder por essa irresponsabilidade".
O que diz o vice-prefeito Orison Donini Cezar Junior (PSDB):
"É mentira. Quando ele nos mostrou esse documento fiz ocorrência na polícia dizendo que é falso. Não houve promessa nem pedimos apoio a ele. Ele decidiu nos apoiar."
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Triunfo enfrenta crises políticas desde os anos 1980
– Em março de 1989, o então prefeito, Bento Gonçalves dos Santos, foi acusado de enriquecimento ilícito e de empregar parentes. Foi cassado em 1999, depois de novamente eleito. Naquele ano, foi condenado três vezes por peculato.
– Entre 1991 e 1992, segundo o Ministério Público, mais de mil títulos eleitorais foram transferidos para a cidade de uma só vez. Cerca de 30 casos geraram processos criminais por aliciamento de eleitores.
– Vice-prefeito na gestão de Bento Gonçalves dos Santos, Orlando Vargas (PP) foi cassado pela Câmara em 2000, mas cumpriu mandato mediante liminar. Ele teria usado máquinas da prefeitura em propriedade particular.
– No ano 2000, vereadores tiveram prisão decretada por peculato e uso de dinheiro público.
– Prefeito eleito em 2000 e 2004, José Ezequiel de Souza (PDT), foi cassado em 2005 por compra de votos, propaganda irregular e uso indevido de verbas.
– Em 2006 e 2010, reportagens mostraram uso indevido de diárias por vereadores em cidades turísticas.
– Eleito em 2012, Marcelo Essvein (PDT) foi cassado por abuso de poder econômico e político. Em abril de 2013, Mauro Poeta (PMDB) foi eleito para substituir Essvein.
– Em dezembro de 2013, a Polícia Federal deflagrou a Operação TR-01 para apurar crimes eleitorais, corrupção, falsidade ideológica e documental, formação de quadrilha, fraude em licitação e peculato. Foram presos um ex-prefeito, dois secretários municipais, um ex-vereador e uma funcionária da Câmara.