Arma de guerra, instrumento de trabalho, meio de locomoção e símbolo de resistência... a presença do cavalo permeia a cultura gaúcha de diferentes formas ao longo dos últimos séculos. O animal foi fundamental, inclusive, para a formação geográfica do Rio Grande do Sul.
— Não imaginamos a cultura nem o movimento tradicionalista sem esses animais. Muitas cidades começaram com as tropeadas e carreteadas. Ainda há muitos locais nos quais só é possível chegar a pata de cavalo — comenta o vice-presidente de Cavalgadas do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) e presidente da Ordem dos Cavaleiros do Rio Grande do Sul (Orcav), Ildo Wagner, com a experiência de quem conta ter percorrido mais de 10 mil quilômetros em cavalgadas oficiais cortando o território gaúcho.
Do passado ao presente, numa das imagens mais marcantes da enchente de maio, o cavalo conhecido nacionalmente por Caramelo ficou imortalizado no imaginário popular depois de permanecer dias ilhado em cima de um telhado até ser resgatado, em Canoas.
— O cavalo simboliza o espírito livre e destemido, próprio da identidade dos gaúchos, além da força e de uma profunda conexão com a terra — avalia Valdir Damiani, diretor de cavalgadas da 11ª Região Tradicionalista (RT), que contempla os municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi, Carlos Barbosa e Veranópolis.
Protagonismo
O animal cumpre papel de protagonista durante os Festejos Farroupilhas do mês de setembro, com destaque para as cavalgadas – que exigem um roteiro de no mínimo 20 quilômetros – empreendidas por vários grupos.
— É muito emocionante ver como ficou nosso Estado e perceber a força que nós, gaúchos, temos — pontua Vanir Pedroso, membro do CTG Carreteiro da Saudade, de Gravataí.
Superando as incertezas sobre a realização das atividades e mudanças de itinerário necessárias em virtude de ainda muitas estradas, pontes e acessos estarem comprometidos devido às consequências da crise climática, as cavalgadas ocorreram difundindo valores do tradicionalismo em encontros com comunidades de todas as regiões.
— Estou fazendo parte da história do meu Estado, do meu município, trazendo a chama crioula para minha cidade e aumentando meu círculo de amizade — completa.
Cavalgadas
O cumprimento da legislação sanitária vigente e o cuidado com o bem-estar animal são destacados por quem participa dos eventos. Em geral, as distâncias percorridas não superam os 35 quilômetros diários e o ritmo empregado costuma ser de 5 km/h, com várias paradas para descanso para evitar o desgaste acentuado da cavalaria.
— Os cavalos têm que estar saudáveis e com um bom preparo físico, exames veterinários e ferragens em dia. Durante o trajeto, há todo um cuidado com a alimentação dos animais. Todos recebem ração duas vezes por dia. Além disso, levamos remédios e ferramentas para eventuais problemas que possamos encontrar e ficamos sempre atentos a algum sinal de desgaste, cansaço ou estresse — pontua.
Daniel Pereira, patrão do CTG Estância do Salvador, de Tupandi, e membro dos Tropeiros da Chama Crioula da 15ª Região Tradicionalista (RT), participa de cavalgadas há mais de 15 anos.
— Sempre temos cavalos reserva no grupo para eventuais percalços. Dependendo da distância percorrida e dos dias de cavalgada, o animal anda um dia e descansa no outro — comenta, sobre a logística preparada para os deslocamentos.
Gerações
A possibilidade de contemplar a natureza e o encontro entre gerações é outro estímulo sublinhado por quem vive a experiência das cavalgadas.
— Neste ano, tive a oportunidade rara de cavalgar com meu pai e com meu filho. Três gerações da família unidas pelo tradicionalismo. Sinto muito orgulho por isso e por conhecer grande parte do nosso território no lombo do cavalo — define Pereira.
Nas disputas de rodeios, os cavalos também aparecem com relevância, porque os eventos são uma celebração das habilidades de manejo dos bois e da destreza dos cavaleiros.
— A relação que existe entre o cavaleiro (peão) e o cavalo se configura como fundamental para o sucesso nas competições, exigindo confiança, sintonia e habilidade de comunicação. Os rodeios preservam as tradições do Rio Grande do Sul, celebrando a cultura rural por meio de músicas, danças e trajes típicos, e o cavalo faz parte desse momento — explica Damiani.
Do cotidiano de trabalho na área rural e urbana aos eventos especiais, os cavalos compõem a paisagem do Rio Grande do Sul. Foi assim no passado, é no presente e deve continuar a ser no futuro, em que pesem todas as mudanças trazidas pelo tempo.
*Produção: Padrinho Conteúdo