Você gosta de cultivar as tradições nativistas. É louco por chimarrão, churrasco e fandango. Quando chega setembro, separa sua pilcha para ir ao Acampamento Farroupilha, mas não tem a mínima ideia de onde irá apear sua expectativa em relação à festa gaudéria.
Por não pertencer a piquete nenhum ou não ser lembrado pelos amigos tradicionalistas, o visitante do Parque Harmonia pode acabar se sentindo uma agulha fora do palheiro. Depois de transitar entre as ruelas estreitas do parque, seu destino acaba sendo a praça de alimentação, o pavilhão das lojinhas ou os convidativos piquetes promocionais.
Que o gaúcho é um povo acolhedor, ninguém duvida. Mas porque tanta gente se sente deslocada na terra do acolhimento? A resposta estaria nas origens do acampamento, explica o patrão do piquete CTG Caminhos do Pampa Waldomiro Gomes Fernandes.
Segundo ele, antigamente os grupos que vinham do Interior para o desfile de 20 de Setembro ficavam apinhados provisoriamente no local, esperando o feriado farroupilha. Nessa época, com uma estrutura mais simples, cada um protegia seus pertences do jeito que podia.
- O acampamento tomou corpo, saiu do parque, invadiu a cidade, foi para o Estado, para o país e, com transmissão ao vivo pela internet, chegou ao mundo inteiro. Foi rompendo barreiras - diz Fernandes.
Muitas porteiras, no entanto, seguem fechadas para o desconhecido, um sinal de que o público em geral nem sempre é bem-vindo. A gaúcha Zélia Zuccheto frequenta o parque há quase 15 anos. Em todo este tempo, nunca pisou em um piquete.
Aliás, só uma vez, este ano, para comprar uma cerveja, porque não gostava da marca vendida na praça de alimentação. Entrou, pagou e foi embora sem receber nem um "boa tarde".
- Se nós que somos daqui nos sentimos excluídos, quem dirá os turistas - critica.
Patrão do piquete Motoqueiros do Pampa, Daniel Rosa Destefani conta que, nos últimos dias, recebeu muitos visitantes desconhecidos. A maioria interessada em conhecer seu galo carijó que fica amarrado do lado de fora do galpão. Esses ele recebe muito bem, mas quando chega alguém querendo comer ou beber, faz um filtro. Malandro querendo levar cerveja, Destefani reconhece de longe:
- Tem 10 anos que estou aqui. Dá para diferenciar na conversa as intenções da pessoa.
A cantora Mariana Marques tem uma boa explicação para isso. Na visão dela, o gaúcho é fechado, mas, ao mesmo tempo acolhedor, e isso se expressa no acampamento. Irmã de Mariana, a advogada Aline Marques tem outra definição:
- Essa questão cultural não é só nossa. Em quase todas as culturas, as pessoas são abertas para receber os seus, e mais fechadas para receber quem é de fora.
Porteiras (entre) abertas
Muitos visitantes ficam rodando no acampamento sem saber onde ir porque, para participar de um churrasco ou de um baile, na maioria dos casos, a pessoa precisa ser convidada. Chegar sem avisar é uma prática pouco comum, quase como chegar na casa de uma pessoa que você não conhece e entrar porta adentro sem pedir licença. Há exceções, em especial nos pavilhões públicos.
Nem sempre os estranhos ao ninho são mal interpretados. Quando chegam com respeito e vontade de interagir, e demonstram curiosidade sobre as tradições gaúchas, os visitantes são recebidos da mesma maneira, com cortesia e amistosidade. Convites para almoço e janta podem acontecer, principalmente quando o patrão ou integrantes do piquete simpatizam com o turista.
Mas enquanto a maioria dos 384 piquetes do Parque Harmonia apresenta uma postura de restrição aos convidados, recebendo preferencialmente amigos e conhecidos dos amigos, alguns piquetes abrem suas porteiras para todos os visitantes. São identificados por banners do projeto Turismo de Galpão, e integram uma espécie de rota turística interna do acampamento. Outros não têm nenhuma marca de apresentação, e estão com a hospitalidade à espera de visitas. Basta tentar a sorte.