Pouco antes do meio-dia de terça-feira (12), a aposentada Augusta Machado, 79 anos, senta-se no banco formado por uma única lâmina de madeira acinzentada colocado junto à fachada da rodoviária de Rolante, no Vale do Paranhana. Recupera o fôlego com a intenção de se dirigir ao interior do prédio para comprar passagem até Taquara, de onde pretende seguir rumo a Esteio. Augusta não percebe o cartaz colado na porta trancada do estabelecimento, onde se lê: "Comunicado: encerramento das atividades. Hoje, 30 de outubro de 2024, comunicamos a todos o encerramento das atividades da Rodoviária de Rolante".
— Fechou? Como assim? Achei que estava aberta. E agora? Não tem como comprar passagem, pedir informação? — espanta-se a idosa, recém-chegada da cidade de Riozinho, ao ser avisada sobre a suspensão do serviço.
É uma surpresa cada vez mais comum no Rio Grande do Sul, onde a debandada de passageiros provoca um apagão no setor e vem levando muitos concessionários a fechar as portas. A quantidade de bilhetes vendidos nas cabines despencou 66% ao longo dos últimos 10 anos, o que derrubou o faturamento dos empreendedores e faz com que existam atualmente apenas 184 agências e estações rodoviárias cadastradas em situação ativa no Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) — quase a metade do que o Estado já teve.
Em razão desse fenômeno, praticamente dois terços das cidades gaúchas não contam hoje com esse tipo de serviço. A decadência dos terminais, que muitas vezes eram uma das referências dentro do município, ao lado de locais como a prefeitura e a igreja, é percebida ao longo de toda a última década. Mas a crise, que já era grave, se aprofundou depois da pandemia de covid-19.
— Desde 2014, a quantidade de passageiros vinha caindo entre 5% e 10% ao ano. Com a pandemia, despencou e não voltou ao mesmo patamar. Muita coisa que era presencial deixou de ser, os cursos de educação a distância aumentaram, além da concorrência dos aplicativos de carona — analisa a diretora de Transportes Rodoviários do Daer, Luciana do Val Azevedo.
A quantidade de bilhetes vendidos nas rodoviárias (excluídas as aquisições diretas nos veículos) recuou de 32,2 milhões em 2013 para 10,9 milhões em 2023. Em 2024, o cenário é semelhante: até setembro, foram registrados somente 6,8 milhões de passageiros.
A perda de fluxo atinge com maior intensidade as estações e os municípios de menor porte, embora cidades com vocação turística como Arroio do Sal, no Litoral Norte, e Três Coroas, no Vale do Paranhana, também estejam sem estações no momento. Geralmente, os locais que já funcionaram como rodoviária continuam servindo como ponto de embarque e desembarque de usuários, mas sem a estrutura esperada para um empreendimento do tipo, como sala de espera, banheiro, cabine de venda e outros benefícios.
A enchente de maio complicou ainda mais a situação. Em Porto Alegre, a estação ficou cerca de um mês fechada por conta da inundação. Só retomou as viagens intermunicipais no dia 7 de junho.
Em Três Coroas, depois de a água invadir o saguão, o concessionário deixou de prestar o serviço. Um novo investidor assumiu o local, que está em obras e sob expectativa de reabrir nos próximos meses. Até lá, os passageiros precisam se adaptar.
— É um desconforto, não tem banco, cadeira, nada. Pra pagar a passagem, desço na rodoviária de Gramado, compro o bilhete e entrego ao motorista — conta a servidora pública Juliana da Silva, que mora em Três Coroas e se dirige todos os dias a Canela para trabalhar.
Por vezes, é possível comprar a passagem diretamente dentro do veículo, quando há cobrador, ou pela internet — mas a falta de uma cabine ou de um balcão de informações deixa passageiros como Augusta Machado sem saberem o que fazer. Diante da ex-rodoviária de Rolante, ela não sabe como adquirir o bilhete e se os ônibus de fato seguem parando ali nos horários previstos. Ao lado da irmã, Ivone Machado, 77, liga para um neto tentando uma nova carona para levá-la até Taquara.
— Vim de carona de Riozinho, onde também não tem rodoviária. Chego a Rolante, e a rodoviária está fechada. O que a gente faz, vai a pé? Vou esperar meu neto me buscar — resignou-se a aposentada.
Como funciona o setor
- As rodoviárias são concessões estaduais licitadas a operadores privados, e se dividem em diferentes categorias conforme o nível de faturamento.
- Quanto maior a classificação, maiores as exigências a serem cumpridas para ganhar a concessão, como número de cabines de venda, espaço disponível para os usuários, fraldário, entre outros itens.
- Apenas a unidade de Porto Alegre está na faixa especial. As demais se dividem nas categorias primeira, segunda, terceira e quarta.
- Por fim, há as agências rodoviárias, que costumam ser pontos de comércio que contam com uma infraestrutura básica e também vendem passagens de ônibus.
- Os empreendedores recebem 11% do valor do bilhete vendido a título de comissão, e precisam pagar taxas de fiscalização, à agência reguladora (Agergs) e de outorga.
Daer promete revisão ampla do transporte intermunicipal, mas sem prazo definido
A solução para a crise das rodoviárias, na avaliação do Sindicato de Agências e Estações Rodoviárias no Estado (Saerrgs), viria de uma reformulação do sistema de concessão das estações no Rio Grande do Sul em busca de um reequilíbrio econômico-financeiro.
O Daer afirma que pretende realizar um estudo amplo para reorganizar o modelo de operação, incluindo novas licitações para concessão e para recolocar linhas desativadas em operação — os trajetos atendidos pelos ônibus também apresentam queda significativa nos últimos anos. Havia cerca de 1,6 mil linhas ativas até o começo da pandemia, patamar que caiu para 900 agora, em um recuo de 44% nos percursos feitos pelos ônibus.
A presidente do Saerrgs, Georgina Teixeira da Cunha, afirma que o faturamento dos estabelecimentos, fora eventuais rendas como aluguel de espaços internos, vem principalmente da comissão de 11% sobre cada bilhete vendido. Por isso, a perda de passageiros tem um impacto tão significativo. Uma medida emergencial, na avaliação dos empresários, seria suspender o pagamento de taxas como de fiscalização, da agência reguladora ou da outorga (valor devido ao Estado pela concessão, pago em parcelas). A imposição de uma tarifa de embarque é controversa porque encareceria o bilhete.
— Precisamos de um posicionamento do poder concedente, algum novo formato de remuneração que restabeleça o equilíbrio econômico-financeiro — argumenta Georgina.
A diretora de Transportes Rodoviários do Daer, Luciana do Val Azevedo, afirma que as propostas apresentadas pelos representantes das rodoviárias exigem uma análise mais abrangente, que ainda está em curso e não tem um prazo determinado para ser concluída.
— Tudo isso depende de um estudo, porque passa por uma reavaliação da forma de remuneração das estações rodoviárias. Então, não é simplesmente chegar e colocar uma tarifa em cima, colocar uma taxa em cima para o usuário pagar, porque quem vai pagar é o usuário, sem pensar numa reavaliação da remuneração. Precisamos readequar todo o sistema para poder retomar as linhas (desativadas). Mas é um pacote, temos de olhar todo o sistema, restabelecer ligações. É difícil mensurar que prazo isso vai exigir. Certamente será bem mais do que meses — afirma.
Licitações de rodoviárias não encontram interessados
A falta de interesse econômico para manter abertas as estações rodoviárias no Rio Grande do Sul faz com que seja difícil encontrar empreendedores interessados em assumir os terminais de passageiros. Há cidades para as quais já foram abertos até três processos de licitação para conceder a operação do serviço, sem conseguir encontrar um único empresário disposto a assumir a função.
Conforme informações disponíveis no site do Daer, 72 municípios não conseguiram encaminhar a concessão de um terminal por meio de processos lançados pelo Estado entre 2019 e 2021. Locais como Balneário Pinhal, Bom Jesus, Formigueiro, Marcelino Ramos, Santo Antônio da Patrulha e São Jerônimo passaram por três tentativas, sem sucesso.
Mesmo um destino turístico como Arroio do Sal, no Litoral Norte, passou por duas tentativas de concessão sem conseguir encaminhar a reabertura da rodoviária — que deveria funcionar em uma grande estrutura onde hoje funciona um conjunto de lojas. No momento, o local é apenas ponto de embarque e desembarque, e é possível comprar passagem em alguns horários específicos.
— O maior problema é a manutenção das rodoviárias. Ninguém mais anda de ônibus. Não tem mais movimento de pessoas nas rodoviárias, aí os comércios que tem nesses locais também não se mantêm. Algo diferenciado deverá ser inventado, porque as vendas de passagens, na maioria, já são realizadas pela internet. Vão fechar todas — avalia o prefeito de Arroio do Sal, Affonso Angst.
O Daer sustenta que um novo pacote de editais deverá ser lançado, mas também depende da reavaliação geral do sistema que deverá ser encaminhada ao longo dos próximos meses. Enquanto isso, podem ser firmados acordos emergenciais para não deixar a população desatendida.
— A gente tem que revisar os editais para poder encaminhar uma nova leva de licitações. Só que essa revisão, como o sistema tem uma perda na arrecadação pela queda no número de passageiros, eu preciso primeiro olhar para o sistema, ver o que eu posso melhorar para atrair novamente o passageiro para depois licitar — argumenta a diretora de Transportes Rodoviários do Daer.