Por Rodrigo Trespach
Historiador e escritor, autor do livro “1824” (Citadel, 2023)
Porto Alegre, 18 de julho de 1824. Depois de quase um mês de viagem desde o Rio de Janeiro, o bergantim São Joaquim Protector chegava à capital gaúcha trazendo a primeira leva de colonos alemães para São Leopoldo.
A embarcação do capitão José Joaquim Machado transportava nove famílias (incluindo um casal açoriano) e alguns solteiros. No total, 45 pessoas. Destes, 39 chegariam à nova colônia alguns dias mais tarde.
Na época, os limites urbanos de Porto Alegre mal passavam da então rua da Igreja (também chamada de rua Formosa ou rua Direita), a atual Duque de Caxias. Com apenas três grandes ruas calçadas e uns poucos edifícios importantes — como o Palácio do Governo, localizado onde hoje se encontra o Piratini; e a Igreja Matriz, que mais tarde daria lugar à Catedral Metropolitana — a população da cidade era de aproximadamente 6 mil pessoas.
Assim que o São Joaquim Protector lançou âncoras no Guaíba, o governador José Fernandes Pinheiro — o futuro visconde de São Leopoldo — subiu a bordo. Queria dar “prova ostensiva do sumo apreço” que o governo tinha pelos colonos e pelo projeto de imigração com alemães.
Conforme determinavam as orientações recebidas da corte, Fernandes Pinheiro deveria ter “zelo e atividade” com os imigrantes, providenciando alimentação e organizando as acomodações na Feitoria do Linho Cânhamo, o lugar escolhido para instalação da colônia. Em Porto Alegre, enquanto aguardavam os pequenos iates que os levariam até São Leopoldo, os imigrantes foram agasalhados e alimentados com carne, farinha, legumes e toucinho.
Os alemães recém-chegados ao Rio Grande do Sul eram passageiros do transatlântico Anna Louise, que havia aportado no Rio em 4 de junho. A embarcação havia partido de Hamburgo no início de abril, com mais de 300 passageiros a bordo, a maioria deles soldados para o Exército de dom Pedro I — cerca de 260 homens. Depois de alguns dias na Armação da Praia Grande, em Niterói, o governo imperial enviou os solteiros para os quartéis cariocas e despachou as famílias (e alguns dispensados pelo Exército) para Porto Alegre.
O transporte dos colonos até a capital gaúcha era realizado em navios costeiros — patachos, escunas, sumacas ou bergantins. Eram menores e mais rápidos que os veleiros de três mastros que cruzavam o Oceano Atlântico. Essas embarcações podiam transportar até cem pessoas. A viagem entre o Rio e Porto Alegre durava 20 dias em média. Os navios seguiam pelo litoral brasileiro, cruzavam o porto de Rio Grande e percorriam os 265 quilômetros da Lagoa dos Patos.
Esse deslocamento era bem menos turbulento que a travessia transatlântica, mas não menos perigoso. Em 1825, o bergantim Flor de Porto Alegre, que levava colonos para a capital gaúcha, naufragou na altura de Mostardas e dois alemães morreram afogados. O próprio Fernandes Pinheiro, retornando ao estado após uma sessão do Senado, no Rio, enfrentou problemas na barra de Rio Grande, em 1831.
No dia 23 de julho de 1824, depois de cinco dias de “refrigério”, os passageiros do São Joaquim Protector deixaram Porto Alegre com destino a antiga Feitoria. Subindo os rios Jacuí e dos Sinos, os primeiros imigrantes alemães chegariam ao Porto das Telhas, na atual Praça do Imigrante, em São Leopoldo.