Quando as primeiras contrações do parto surgiram, Renata Aline dos Santos, 37 anos, se ajeitou na cama. "Ele não pode vir agora, precisa esperar mais um pouco", pensava. Naquela manhã de 2 de maio, Roca Sales estava ilhada e o único hospital da cidade alagado, assim como boa parte do município. As horas passavam e os intervalos entre as contrações ficavam mais curtos, até que não teve jeito, Matteo Lorenzo dos Santos chegaria a qualquer momento.
— No dia 2 que fecharia bem certinho as 40 semanas. A gente tinha ideia, como não tinha mais passagem pra Encantando, que de repente vai dar, uns diazinhos a mais ele vai segurar, mas não teve outra — conta Renata.
Ela foi atendida em casa por enfermeiros, que avaliaram que o parto deveria ser por cesárea. Equipes até chegaram a entrar no hospital de Roca Sales pela janela para buscar instrumentos cirúrgicos, mas a alternativa mais segura seria realizar o procedimento em Encantado.
Em condições normais, o percurso seria feito em 10 minutos. Com a cidade ilhada, a única forma de sair envolvia passar pela ferrovia, que é elevada em relação à cidade. Na manhã seguinte, 12 pessoas se revezaram para carregar uma maca com Renata. Andando por cima dos trilhos, foram cerca de quatro quilômetros.
Depois, a grávida foi colocada em um ônibus, que a conduziu até um ponto onde seria possível realizar a travessia do Rio Taquari de barco, para enfim chegar à RS-129 e a partir daí ser transportada em uma ambulância.
— Tinha momentos que passava no viaduto e eu só pensava: "Meu Deus, não deixa eles me deixarem no chão". Se caísse para a água, era fatal. Mas foi muito medo, chuviscando um pouquinho. Pelo lado eu conseguia ver a altura que estava a água. Assustador aquilo — disse a mãe.
— A parte que eu fiquei mais preocupado foi quando colocamos ela no ônibus. A maca não cabia, tivemos que colocar ela de lado — confessou Cleber Fernando dos Santos, representante da Defesa Civil do município.
Graças à mobilização das equipes, Matteo nasceu às 13h do dia 3 de maio. Hoje, mora com a mãe e a companheira dela em uma casa provisória construída para os desabrigados ainda da enchente de setembro. Em uma Roca Sales que precisa se reconstruir, Renata descreve qual cidade quer para o filho crescer:
— Uma cidade que não seja tão castigada assim. Um lugar bom pra viver, porque hoje todo mundo tá numa situação complicada. Pessoas que nunca imaginaram "vai chegar água na minha casa", hoje estão sofrendo com isso. Que seja um lugar bom para viver, para todas as crianças.