Um alicate salvou a vida de Ademar da Rocha Paim Jr. na enchente que atingiu Dona Francisca, na região central do Estado, há 10 dias. Era uma noite chuvosa de segunda-feira (29) quando o mecânico, residente a alguns metros do Rio Jacuí, viu-se cercado pela água, que avançava rapidamente.
- Pensei só em pegar a mãe, algumas roupas e os remédios dela. E um alicate - lembra.
Naquele cenário de pavor, o alicate foi usado para cortar a cerca de arame que delimitava o terreno da família, que teve de improvisar uma rota de fuga em meio ao avanço da água. Por essa saída, Ademar conseguiu salvar seus animais de estimação. No caminho, encontrou outros perdidos, somando sete cães e sete gatos resgatados.
Apesar da destruição, Ademar se diz grato. As paredes da casa de alvenaria resistiram à violência do Jacuí.
- Felizmente sobrou casa - diz o morador.
Dona Francisca se liga a Agudo, município com o qual forma as principais cidades da Quarta Colônia do Estado, pela RS-348. O trajeto hoje só é possível ser percorrido de barco em razão da destruição parcial da rodovia, que teve quilômetros de sua extensão levados pela correnteza. A reconstrução promete ser uma obra muito complexa.
O Corpo de Bombeiros Voluntários de Agudo é responsável por operar o socorro médico, de barco, entre Agudo e Dona Francisca - caminho que a reportagem de GZH percorreu nesta quarta-feira (8) para mostrar como é a nova realidade de quem precisa se deslocar de uma cidada a outra.
Transportar, por exemplo, um morador ilhado para a cidade vizinha não é uma operação simples. O retorno do rio ao seu leito, aos poucos, revela uma área de várzea coberta de lama que chega à altura das canelas. Cinco homens se dividem no transporte de uma embarcação de cinco metros de comprimento e mais um motor de 15 Hp. Segundo o representante comercial e bombeiro voluntário de Agudo Maurício Chaves, essa cena se repete, em média, cinco vezes por dia.
Colocar um barco no Jacuí no cenário pós-enchente, requer um grande trabalho em equipe. Além de Maurício, acompanharam GZH os bombeiros voluntários Andriel Petzold, Henrique Martini e Denylson Felipe da Silva, e o empresário e barqueiro Silvano Siegert.
Bombeiros carregam barco sobre a lama até o Jacuí
Superado o desafio inicial de andar sobre a lama com um barco, a travessia pelo Jacuí é rápida, dura cerca de 20 minutos, mas em um cenário ilustrado por objetos sendo arrastados pela enchente, como geladeiras e móveis. A fotografia de Dona Francisca, município de três mil habitantes, é de casas destruídas, mau cheiro e muita lama na parte baixa da cidade. Nesta quarta, 30 pessoas eram acolhidas no abrigo municipal.
Os problemas viários de Dona Francisca atrapalha a chegada de donativos. O envio de uma carreta de mantimentos de Chapecó (SC) foi interrompido em São João do Polêsine em razão de bloqueio da RS-149. Conforme o presidente da Associação Comercial de Dona Francisca, Ronaldo Dambrós, voluntários fizeram a baldeação da carga a pé, por uma ponte improvisada, para outro caminhão, que levou os itens até Dona Francisca.
- A gente precisa se doar e ter solidariedade nesse momento - resume o empresário.
Ainda não há previsão para a recuperação da RS-348 entre Agudo e Dona Francisca. Uma solução paliativa que já é estudada envolve a implementação de uma balsa entre as duas cidade.