Um cidadão de Porto Xavier, município de 9,9 mil habitantes na fronteira com a Argentina, está envolvido há tanto tempo com projetos de infraestrutura na região das Missões, incluindo a ideia da construção de uma ponte internacional sobre o Rio Uruguai, que ganhou o apelido de “Jurássico”.
Ovídio Kaiser, o Jurássico, era prefeito da cidade em 1980, quando foi criada a primeira comissão binacional para tratar da ponte que ligaria a gaúcha Porto Xavier com a argentina San Javier. Até hoje a estrutura não saiu do papel. A empresa Coesa Construções e Montagens S/A assinou contrato para fazer a obra em outubro de 2022, mas não conseguiu executar por problemas financeiros. Um balde de água fria. A inexistência da travessia rodoviária, conectada à BR-392, trava o desenvolvimento das Missões, dificulta importações e exportações e mantém a comunidade refém de uma balsa.
Jurássico não perdeu as esperanças. Ele está confiante de que agora, finalmente, as coisas vão acontecer. O governo federal elegeu a obra como prioridade e está em processo de rescisão do contrato da Coesa, o que demanda o cumprimento de prazos legais. A promessa é de que um novo edital será lançado até o final do primeiro semestre de 2024 pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). A intenção é contratar uma empresa e assinar a ordem de início dos serviços ainda neste ano. Antes de começar a construção, será preciso providenciar o licenciamento ambiental e fazer a desapropriação de imóveis — são 34, conforme a prefeitura. As autoridades locais, que estão participando de reuniões periódicas com o Dnit, acreditam que as obras poderão começar em 2025.
— É um sonho represado de quase meio século. Isso causa transtorno e trava o desenvolvimento. A fronteira é muito abandonada. A ponte vai inverter esse processo e o desenvolvimento vai ser a partir daqui para o resto do Estado — projeta Jurássico, atualmente secretário de Desenvolvimento, Turismo e Mercosul de Porto Xavier.
Enquanto a ponte não acontece, se acumulam os relatos sobre como o Rio Uruguai se torna uma barreira. Atualmente, duas balsas, uma brasileira e uma argentina, fazem o traslado de veículos e cargas. A plataforma tem tamanho suficiente para conduzir, de uma só vez, até nove caminhões.
Após ingressarem no Brasil, eles saem da balsa direto para o recinto alfandegário, junto ao porto da cidade, onde passam por inspeção, dependendo da carga, de servidores do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e da Receita Federal. Esse processo aduaneiro leva, em média, dois dias e os veículos ficam estacionados em um pátio com 120 vagas. Quando o recinto alfandegário está lotado, é represado o ingresso no Brasil de caminhões vindos da Argentina. O fluxo leva motoristas e cargas a terem de aguardar, eventualmente, cerca de 10 dias por uma autorização de entrada em Porto Xavier.
— Tivemos casos de 15 dias de espera para atravessar. Um custo grande de operação que reflete na mesa do consumidor. A ponte ajudaria muito. É uma luta de muitos anos — diz Leandro Taube, presidente da cooperativa de transporte Cotrariu, cuja frota é de 270 caminhões.
Situações como essa costumam acontecer em picos de movimento. No primeiro semestre, o forte é a importação de cebola, alho e batata da Argentina. Na segunda metade do ano, ganha tração a chegada de milho e soja do Paraguai. Porto Xavier tem mais de 30 empresas de importação que compram de produtores dos países vizinhos. A cebola, por exemplo, é selecionada, ensacada e revendida no Brasil. O milho vira ração suína. Em março de 2024, o terminal portuário do município movimentou mais de 20 mil toneladas de hortaliças e grãos, com predominância das importações.
Esperas prolongadas pela travessia também acontecem quando chove em quantidade suficiente para elevar o nível do Rio Uruguai, forçando a suspensão do serviço da balsa. Nestes casos, a conexão Brasil-Argentina via Porto Xavier fica totalmente bloqueada.
— Em outubro e novembro de 2023, foram seis crescidas do Rio Uruguai. Em cinco delas, tivemos a interrupção do serviço de balsa por segurança — relata Kaiser.
Wilson Deobald é vice-presidente da Associação Comercial e Industrial, Serviços e Agropecuária de Porto Xavier (Acisa) e despachante aduaneiro, com empresa no ramo há quase 30 anos. A ponte, diz ele, beneficiaria o comércio internacional devido ao trânsito ininterrupto, acabando com a limitação de horário da balsa, que opera até às 17h30min nos dias de semana. O segundo ponto destacado é que o equipamento trará melhor infraestrutura para a fiscalização aduaneira, com mais vagas de estacionamento no pátio.
— Vem para dar celeridade. Estimamos aumento de até 35% com a ponte, que também vai diversificar. Hoje não é autorizado passar aqui uma carga animal ou de leite porque não temos estrutura para receber um caminhão refrigerado — afirma Deobald.
Nas importações, predominam hortaliças e grãos. Nas exportações, são enviados pela balsa pisos cerâmicos, máquinas agrícolas e utensílios de cozinha para os países vizinhos. A aposta é de que, quando a estrutura estiver pronta, Porto Xavier receberá mais empresas de comércio exterior.
O prefeito Gilberto Menin destaca que a ponte será uma rota alternativa para os sojicultores das Missões e do noroeste gaúcho. Atualmente, as cargas do grão exportado para a China cruzam o Estado até o porto de Rio Grande. Com a ligação rodoviária, afirma Menin, será mais rápido escoar a safra pelos portos da Argentina, usando a nova ponte para ingressar no país.
— Vai baixar o custo do produtor e do produto — destaca o prefeito.
Mais gente, mais consumo
Nos finais de semana e feriados, a balsa opera em horário reduzido. Pela manhã, das 9h às 10h30min. À tarde, das 16h às 17h30min. A avaliação é de que o turismo de argentinos é prejudicado pela limitação da travessia do Rio Uruguai. É mais uma trava a ser removida pela ponte, acredita o prefeito. Apesar da crise econômica no país vizinho, ele aposta que o turismo será impulsionado.
— Os argentinos são apaixonados pelo Brasil. Temos boa gastronomia e festas aos finais de semana. É um potencial para eles virem consumir aqui — avalia Menin.
Expectativa semelhante tem o pequeno produtor rural Adalberto Zimmer. Ele e a família produzem laranja, melão, melancia e melado. Na região de fronteira, as cidades costumam ser distantes umas das outras e os grandes centros urbanos estão afastados. O ingresso de estrangeiros é limitado pela balsa. Zimmer depende do comércio local para vender seus produtos, mas a população é pequena e o consumo, baixo.
— Com a ponte virão mais caminhões, postos de gasolina, restaurantes. Aumentando o fluxo de gente, aumenta o consumo e a nossa renda — idealiza Zimmer.
Em 2022, passaram pelo recinto alfandegário e pela balsa de Porto Xavier quase 21 mil caminhões, somando as entradas e as saídas do Brasil.
Dnit: nova licitação deve sair até o “final do primeiro semestre”
Em nota, o Dnit informou que a futura construtora terá de fazer um novo projeto para a obra. O departamento não comentou o custo previsto. A Coesa aceitou contrato de cerca de R$ 220 milhões, em 2022, valor que foi considerado baixo por outras empresas.
Confira a nota do Dnit:
“Os trâmites para a rescisão do contrato com a Coesa Construções e Montagens S/A, referente à construção da ponte internacional que ligará os municípios de Porto Xavier (Rio Grande do Sul) e San Javier (Argentina), estão em andamento. Assim que o processo rescisório estiver finalizado, será anunciado o novo processo licitatório, o que deve ocorrer até o final do primeiro semestre. A empresa vencedora da licitação desenvolverá um novo projeto e a previsão é que a execução da obra ocorra com recursos da União. A ponte será a terceira ligação entre Brasil e Argentina, no Rio Grande do Sul. Atualmente, há duas conexões, uma em São Borja e outra em Uruguaiana.”