Cozinheira de mão cheia, mãe zelosa e esposa companheira para todas as horas. Maria da Conceição Alves da Silva, 50 anos, é uma das 50 vítimas fatais das enchentes que atingiram o Vale do Taquari no início de setembro. No dia 5, ela faleceu durante tentativa de resgate do telhado de sua casa, em Lajeado, quando caiu no rio após o cabo que a transportava de helicóptero se rompeu.
Nascida no município de Bragança, no Pará, teve quatro filhos do seu primeiro relacionamento: Mario, Laiane, Paulo e Maiara. Trabalhava como manicure e pedicure quando conheceu o caminhoneiro gaúcho Milton Silva, o Presença, que viajava o país inteiro. Era setembro de 2004. Ele levou uma remessa de arroz para o norte do Brasil e voltou com uma paixão.
— Eu também tinha me separado e, no ano seguinte, trouxe a Mariazinha para o Rio Grande do Sul — relembra Presença, apelido que ganhou durante as andanças na boleia.
Se valendo do ditado "em coração de mãe sempre cabe mais um", Maria da Conceição uniu os seus filhos aos três que o novo marido já tinha em Lajeado: Vanessa, Leonardo e Welington. Dona de casa prendada, cuidou de todos, como se fossem seus. Dificuldades não faltavam, na mesma medida que o bom humor que caracterizava o casal.
— Ela brincava comigo, dizendo "achei que caminhoneiro era rico e olha onde tu me botou" — diz um ainda consternado Presença, mas com sorriso no rosto.
Em meados de 2018, a Tia Conci, como alguns a chamavam, aproveitou os dotes culinários como fonte de renda em um restaurante japonês. O yakissoba era o carro-chefe da paraense que adotou o Vale do Taquari sem nunca esquecer suas origens.
— A Mariazinha trazia açaí, tucupi e dendê lá do Norte. Fazia um vatapá paraense que todo mundo gostava. E na salada vinagrete era mesmo uma profissional — conta o companheiro gaúcho.
Entreguei a minha esposa viva e me devolveram morta. É um dano irrecuperável.
MILTON SILVA
Viúvo de Maria da Conceição Alves da Silva
Quando as viagens de caminhão cessaram, há cinco anos, o hobby do casal se tornou passar o tempo juntos e, sempre que possível, convidar o irmão de Presença, Eduardo, para comer algumas tulipas (parte carnuda da asa de frango).
— Uma peculiaridade dela era fazer o convite mostrando o copo de cerveja: "vamos, meu cunhado" — reproduz o agora ex-caminhoneiro, prolongando o som da letra "A" como a companheira fazia.
O salvamento se transformou em ocorrência fatal
No próximo dia 17 de outubro, o casal completaria quatro anos do matrimônio oficial, que colocou o Silva ao final do nome de Maria da Conceição. Mas, a tragédia que assolou o Vale do Taquari chegou ao lar da família, impedindo a comemoração. Por conta das inundações, os dois estavam sobre o telhado à espera do resgate.
Presença indicou a esposa para o primeiro salvamento quando o helicóptero se aproximou.
O cabo de aço que sustentavam Maria e o sargento da Brigada Militar, Tiago Augusto Bastiani, sobre o Rio Taquari se rompeu e os dois caíram na água, de uma altura de cerca de 20 metros. O militar se feriu gravemente e, depois de ser internado com inúmeras fraturas, teve alta e já está em casa. Já, a paraense não resistiu à queda.
O morador de Lajeado não culpa os socorristas, mas se diz abandonado pelos poderes públicos e fala em negligência.
— Entreguei a minha esposa viva e me devolveram morta. É um dano irrecuperável. Destruíram a minha vida. Me tiraram o direito de ser feliz — lamenta Presença, que planejava levar a esposa ao Pará novamente.
Maria da Conceição foi velada em uma capela ecumênica, em Lajeado, no dia 6 de setembro, e seu corpo cremado em Venâncio Aires, no mesmo dia.