A Marinha enviará nos próximos dias o navio Vital de Oliveira para coletar dados marítimos sobre a elevação de Rio Grande, uma montanha submarina localizada no oeste do Atlântico Sul, a cerca de 650 milhas náuticas (1.,2 mil quilômetros) da costa do Rio Grande do Sul, e que está fora do alcance do que se considera atualmente como a plataforma continental jurídica do país. Após a exploração do local, as informações serão reunidas e utilizadas como suporte para um processo que propõe o aumento dos limites marítimos do país para além das 200 milhas (370,4 quilômetros), que vão desde o Cabo Orange, no Amapá, até o Arroio Chuí, localizado na fronteira entre o Brasil e o Uruguai.
A proposta foi elaborada pela equipe do Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac) — programa do governo instituído pelo decreto nº 98.145, de 15 de setembro de 1989, e ligado à Marinha. Desde seu início, o grupo tem feito uma série de reivindicações sobre os direitos exploratórios sobre os recursos naturais para além do atual limite marítimo. O pedido mais recente foi encaminhado à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), da ONU, em 2018.
O pleito, que será avaliado por peritos da CLPC, está marcado para ocorrer entre 2024 e 2028, em Nova York, nos Estados Unidos. Além do processo envolvendo a margem oriental/meridional da costa brasileira, que incluiu a elevação de Rio Grande, também está programado para o mesmo período o julgamento da solicitação referente à margem equatorial, que abrange a região marítima do extremo norte do país.
Se as duas demandas forem atendidas, a Amazônia Azul (nome dado ao território marítimo brasileiro) chegará a 5,7 milhões de quilômetros quadrados de área.
Como são coletados os dados?
O navio que será utilizado na atual missão exploratória mede 78 metros de comprimento e conta com 30 equipamentos que permitem fazer medições da profundidade de estruturas marítimas.
— O Vital de Oliveira será enviado à ilha Trindade com os pesquisadores para a coleta de dados geofísicos e dados batimétricos (informações sobre profundidade) para que a gente refina e robusteça cada vez mais a nossa proposta para levar aos peritos da ONU — disse o Contra-Almirante Marco Antônio Linhares Soares, que também ocupa o posto de Secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar.
Como as estruturas marítimas estão a uma grande profundidade, não é possível utilizar tecnologias de captura de imagem para registrá-las. Por conta disso, os pesquisadores precisam recorrer a equipamentos como ecobatímetros ou ecossondas, que fazem medições dessa profundidade. Com esses dados, são então elaborados mapas pelo computador, que dão uma estimativa visual da área estudada.
— A ecossonda emite uma onda sonora e a reflexão dela te dá a profundidade. A rapidez com que ela vai depende da velocidade do som da água (340 metros por segundo) e também da reflexão no fundo e do tipo de fundo — acrescentou o Contra-Almirante sobre o modo como são coletados os dados.
Como foram determinados os limites das fronteiras marítimas brasileiras?
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUMD) foi um acordo internacional assinado por 164 países em Montego Bay, na Jamaica, em 10 de dezembro de 1982, para a determinação dos limites das fronteiras marítimas das nações envolvidas. Ela acabou entrando em vigor no Brasil e a nível internacional em 16 de novembro de 1994.
— O Brasil é partícipe na sua confecção, é aderente e signatário. A Convenção não trata somente dos limites marítimos, mas também de aspectos de definição de um navio de Estado, passando pela Zona Econômica Exclusiva, pelas ilhas oceânicas, regime dos estreitos, uma série de informações importantes. Então, ela disciplina tudo isso — exemplificou o representante da Marinha.
O artigo 76 da Convenção estabeleceu que quando um Estado costeiro tiver a intenção de estabelecer o limite exterior de sua plataforma continental (extensão do continente debaixo da água) além das 200 milhas marítimas de sua linha de base, ele deverá apresentar à Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU, logo que possível e dentro do prazo máximo de 10 anos contados a partir de seu ingresso no acordo, as características de tal limite, juntamente com dados e informações científicas e técnicas de apoio. Todo esse material é reunido e apresentado e, por fim, a decisão é comunicada por uma equipe de peritos.
Para determinar qual a área que abrange as 200 milhas, é traçada uma linha de base, que recorta o litoral. No caso do Brasil, essa região vai do Cabo Orange até o Arroio Chuí, onde está a linha de base do país.
Pelo acordo assinado, a linha de base não deve exceder 100 milhas marítimas. No entanto, no caso das que passam por arquipélagos, o limite é extrapolado para 125 milhas marítimas.
O trabalho do Leplac
Com o propósito de estabelecer o limite exterior da plataforma continental brasileira, ou seja, determinar a área marítima além das 200 milhas na qual o Brasil pode exercer direitos de soberania para a exploração e o aproveitamento dos recursos naturais do leito e subsolo marinho e, em conformidade com as regras da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, foi criado o Leplac.
O órgão ligado a Marinha iniciou suas atividades em junho de 1987, com a criação da primeira Comissão de Levantamento. Nessa fase, quatro embarcações coletaram 330 mil quilômetros de perfis sísmicos, batimétricos, magnetométricos e gravimétricos ao longo de toda a extensão da margem continental brasileira. A partir disso, o Leplac encaminhou, em 17 de maio de 2004, uma proposta para ampliação do limite exterior da plataforma continental brasileira. A apresentação e defesa ocorreu no mesmo ano, no período de 30 de agosto a 17 de setembro.
Durante três anos, sete peritos da CLPC analisaram detalhadamente a proposta, que reivindicava o aumento de 960 mil quilômetros quadrados de área além do limite, distribuídos principalmente no norte, sudeste e sul. Em abril de 2007, a análise foi concluída, mas os peritos não atenderam ao pleito brasileiro em sua totalidade e não concordaram com cerca de 190 mil quilômetros quadrados da área solicitada.
Em 16 de junho de 2008, o Leplac começou a juntar dados para a elaboração de uma nova proposta e tentar reivindicar a porção não atendida no pleito anterior. Para sustentar o processo foram coletados 440 mil quilômetros quadrados de perfis de dados que envolveram as regiões sul, margem equatorial e margem oriental/meridional.
A proposta da região sul foi encaminhada à ONU em abril de 2015 e apresentada à CLPC em agosto do mesmo ano. Em março de 2019, os peritos aprovaram a demanda em sua totalidade. Com isso, foram incorporados 170 mil quilômetros quadrados à plataforma continental brasileira.
Já o processo referente à margem equatorial foi encaminhado à ONU em 8 de setembro de 2017 e apresentado em 8 de março do ano seguinte. A análise estava programada para 2019, mas devido à covid-19, o cronograma sofreu atraso. A previsão é de que o resultado seja divulgado entre 2024 e 2028, mesmo período da conclusão do pedido referente à margem oriental/meridional, que incluiu a elevação de Rio Grande e que foi encaminhado em 7 de dezembro de 2018.
— A gente (Marinha) nunca deixou de perseverar nisso, de brigar por cada centímetro e defender essas riquezas que o Brasil tem por direito. Não são só minérios, eventualmente tem gás, petróleo e até animais marinhos, como caranguejos. Cabe a nós guardar essa soberania brasileira — enfatizou o Contra-Almirante Linhares.
Produção: Filipe Pimentel