Os 56 trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão em duas fazendas no interior de Uruguaiana, na Fronteira Oeste, na sexta-feira (10), já retornaram para suas casas. Todos possuem residência na região, em municípios como Itaqui, São Borja, Alegrete e na própria Uruguaiana.
Conforme o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Gerência Regional do Trabalho e a Polícia Federal (PF), responsáveis pela operação, 10 dos resgatados eram adolescentes com idades entre 14 e 17 anos. O grupo trabalhava fazendo o corte manual do arroz vermelho e a aplicação de agrotóxicos, sem equipamentos de proteção, e chegava a caminhar por 50 minutos até o local de trabalho.
O responsável pelo agenciamento dos trabalhadores foi preso em flagrante, conduzido à PF e depois encaminhado para a Penitenciária Modulada de Uruguaiana. Ele não teve nome e idade divulgados.
A operação foi realizada após uma denúncia sobre a presença de adolescentes nas duas propriedades, em trabalho irregular e sem carteira assinada. A fiscalização encontrou não apenas eles, mas trabalhadores adultos em situação análoga à escravidão.
As vítimas relataram que recebiam R$ 100 por dia, mas a comida e as ferramentas de trabalho eram por conta deles próprios. Nessas condições, afirmaram, a comida estragava constantemente, e chegavam a passar o dia sem se alimentar.
Ainda conforme os relatos, o trabalhador teria a remuneração descontada em caso de doença. De acordo com eles, um dos adolescentes sofreu um acidente com um facão e ficou sem movimentos de dois dedos do pé.
Este é o maior resgate já registrado em Uruguaiana, de acordo com os órgãos fiscalizadores.
Os trabalhadores vão receber de imediato três parcelas de seguro-desemprego. Os empregadores serão notificados para assinar a carteira de trabalho dos resgatados e pagar as devidas verbas rescisórias. O MPT afirma que vai pleitear, depois disso, pagamentos de indenizações por danos morais individuais e coletivos.
A Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do Sul (Federarroz) se manifestou neste sábado (11), por meio de um comunicado intitulado "Nota Pública à Sociedade Brasileira" (leia íntegra abaixo), assinado pelo presidente da entidade, Alexandre Azevedo Velho, e pelo vice-presidente Roberto Fagundes Ghigino.
No texto, a entidade diz que "o possível não cumprimento de regras trabalhistas vigentes não culminam, necessariamente, na possibilidade de enquadramento dos fatos como 'análogo a escravidão'", uma vez que a legislação determina o "preenchimento de requisitos específicos para a configuração efetiva da previsão legal e, por conseguinte, para punição dos respectivos responsáveis".
Leia a nota da Federarroz na íntegra
"A Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do Sul – FEDERARROZ, vem, a público, tendo em vista seu compromisso irrestrito com o Estado Democrático de Direito e o respeito às Leis do país, sem prejuízo da missão de assegurar a segurança alimentar do povo brasileiro, externar o que segue.
Verifica-se a divulgação, por meio de canais de comunicação e veículos de imprensa, que, em operação organizada por órgãos estatais, se procedeu à identificação de pessoas laborando, "em área rural do Estado, "em desrespeito às regras trabalhistas vigentes e em condições análogas à escravidão”.
Com efeito, a Federarroz, entidade que representa os produtores de arroz do Rio Grande do Sul, Estado que é responsável por mais de 70% (setenta por cento) da produção nacional do cereal, ressalta que estará acompanhando as apurações decorrentes do caso concreto, de modo a colaborar com seus devidos esclarecimentos.
A par do exposto, os fatos narrados reclamam parcimônia, por parte dos órgãos de fiscalização, imprensa, sociedade civil, entre outros agentes envolvidos, na medida em que, tendo em vista o ordenamento jurídico brasileiro, o possível não cumprimento de regras trabalhistas vigentes não culminam, necessariamente, na possibilidade de enquadramento dos fatos como "análogo a escravidão", vez que a Legislação e a jurisprudência pátria exigem o preenchimento de requisitos específicos para a configuração efetiva da previsão legal e, por conseguinte, para punição dos respectivos responsáveis.
A Federarroz reitera os compromissos da lavoura de arroz do Estado do Rio Grande do Sul com a construção de um país e uma sociedade livre, justa e solidária, mediante o desenvolvimento e compatibilização dos aspectos econômico, sociais e ambientais, como a forma de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."