As mortes de seis bebês da Reserva Indígena do Guarita, no norte do Estado, são analisadas pelo Ministério Público Federal (MPF) após relatos encaminhados pela comunidade local. Em dois meses, os óbitos ocorreram antes dos nascimentos ou logo após os partos, levantando um problema antigo na região: a falta de médicos para garantir o atendimento na Atenção Primária aos cerca de 8 mil indígenas das cidades de Redentora e Tenente Portela. A situação chegou a ser levada pelo cacique Joel Ribeiro de Freitas a Brasília, com pedido de providências ao governo federal.
De acordo com o procurador da República Pedro Martins Costa Jappur, a situação atual exige uma apuração detalhada para verificar se há elementos para abertura de inquérito civil. Até o momento, as informações constituem uma notícia de fato, dependendo da colaboração de outros órgãos para determinar o prazo até o próximo passo do processo.
Jappur explica que será preciso observar como funciona a chegada de medicamentos e os índices de mortalidade infantil e subnutrição antes de tomar qualquer decisão ou apontar que os óbitos poderiam ter sido evitados.
Conforme a Secretaria Estadual de Saúde (SES), as equipes das unidades básicas que ficam dentro da reserva são de responsabilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), do governo federal. A pasta estadual explica que os editais para contratação de profissionais costumam ficar desertos e que há uma busca para tentar ocupar as vagas nos 12 postos que existem dentro da reserva.
GZH procurou pela coordenadoria regional da Sesai, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Para o cacique Freitas, o problema é antigo. Ele ressalta que, no ano passado, houve períodos em que a comunidade ficou sem nenhum médico para atendimento e que a falta de remédios é recorrente.
— Em Redentora, há um médico que vem uma vez por semana para 84 grávidas — afirma.
Diante do cenário alarmante, uma força-tarefa envolvendo Estado, União e municípios está organizando mais atendimentos. Na próxima semana, serão oferecidas consultas a gestantes indígenas para o acompanhamento de pré-natal no Hospital Santo Antônio, em Tenente Portela.
A presidente da instituição, Mirna Braucks, diz que percebe a falta de médicos na saúde básica na reserva há pelo menos dois anos e garante que as grávidas que buscam atendimento no hospital conseguem ter acompanhamento.
— O problema são os postos de saúde desassistidos. As que vêm aqui têm acompanhamento, mas há casos em que elas chegam sem ter pré-natal — salienta.
A RBS TV conversou com uma das mulheres que perderam o bebê. A dona de casa Jocelaine da Rosa Leopoldino estava grávida de 37 semanas do terceiro filho. No dia 18 de janeiro, ela não se sentiu bem, foi levada a um hospital e recebeu a notícia que nenhuma mãe quer ter: a criança estava morta.
— Elas me levaram pra fazer cesária. Quando elas disseram que ele nasceu, estava morto já — lamenta.
Segundo a Braucks, são 89 gestantes indígenas que serão atendidas pela força-tarefa, sendo que 30 já eram pacientes da instituição. A partir de um contrato emergencial entre a SES e o hospital, todas passarão por uma avaliação, com a realização de exames, ultrassom e estratificação de risco. Os exames laboratoriais serão custeados pelo município. Já o deslocamento das gestantes ao hospital será garantido pela Sesai e pela prefeitura.
Além disso, crianças menores de dois anos previamente avaliadas pela equipe de saúde do território receberão atendimento emergencial. As ações emergenciais terão duração de 60 dias e receberão monitoramento constante, com reavaliação após esse período.
A diretora-adjunta do Departamento de Atenção Primária e Políticas de Saúde do Estado, Marilise Fraga de Souza, explica que o Rio Grande do Sul repassa R$ 15 mil para que cada um dos municípios destine para políticas públicas de saúde da comunidade indígena, conforme um plano estabelecido.
— Esse recurso não estava sendo utilizado, então fomos até lá para ver o que estava acontecendo e nos próximos dias isso será readequado — garante.
Qualidade da água também é um problema
Outra medida que exigiu providências emergenciais envolve a qualidade da água da Reserva do Guarita. O cacique Joel conta que foram encontradas garrafas de agrotóxicos que eram utilizadas pelos moradores para armazenamento de água.
— A água é de péssima qualidade. O pessoal puxava em garrafa de veneno — aponta.
O cacique diz que o município e o Estado estão auxiliando a reverter a situação, adquirindo caixas d'água e com apoio de caminhões-pipa. A diretora-adjunta do Departamento de Atenção Primária e Políticas de Saúde do Estado, Marilise Fraga de Souza, também frisa que foram doados galões de água, que poderão ser usados para armazenamento após o uso. Ela ainda esclarece que a estiagem enfrentada pelo Estado afetou os rios e poços artesianos da região, comprometendo a população da reserva.
Na última sexta-feira (3), a Secretaria Estadual da Saúde (SES), por meio de 15ª Coordenadoria Regional, entregou dois mil frascos de hipoclorito de sódio (insumo utilizado para purificar a água retirada dos rios) e 300 litros de água.