Escolhido por meio de um concurso realizado entre o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS) e a Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) em 2018, o projeto do memorial em homenagem às vítimas do incêndio ainda não tem data para sair do papel. Entretanto, diferentemente do que se previa, a obra pode começar antes da conclusão do caso na Justiça. Em agosto de 2022, o julgamento que havia condenado os quatro réus do processo foi anulado pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
A possibilidade foi admitida pelo atual presidente da AVTSM e sobrevivente da tragédia, o psicólogo Gabriel Rovadoschi Barros, 28 anos. Antes, falava-se na necessidade de preservar o antigo prédio da boate Kiss – onde ficará o memorial – para servir como prova durante o julgamento. Porém, segundo Barros, a construção do memorial também é uma ferramenta de pressão para o andamento do processo. Cauteloso, no entanto, ele se limita a dizer que haverá "avanços" em 2023.
— Há possibilidade de darmos início antes da definição jurídica. A construção do memorial é, também, ato de denúncia, pois será um memorial da justiça ou da impunidade, a depender do andamento do processo. Faremos tudo tendo em mente a pressão ao andamento do processo — comenta Barros.
A associação tem um orçamento atualizado da obra, mas, segundo o presidente, que prefere não revelar os números, a entidade ainda estuda qual seria a melhor forma de financiar a construção do memorial, que ficará no local onde funcionava a boate, na Rua dos Andradas, no centro de Santa Maria.
— Existem empresas que já se disponibilizaram a fazer, no passado, doações de materiais que serão necessários, e isso abateria parte do valor total da obra. O que estamos tentando priorizar é que não haja frustrações no caminho. O início da obra e uma eventual pausa seria desastroso para as nossas expectativas. Queremos garantir o início, o meio e o fim — explica Barros.
Inicialmente, o memorial foi orçado em R$ 2,5 milhões, conforme o arquiteto responsável pelo projeto, Felipe Zene Motta, de São Paulo.
Passado, presente e futuro unidos em um só local
O arquiteto de 35 anos que explica que o memorial tem três propósitos, interligando o passado, o presente e o futuro. De acordo com Motta, o projeto garante respeito à memória das vítimas e ao sentimento dos sobreviventes e familiares.
— O respeito ao passado se dá principalmente na fachada, feita de concreto e tijolos. É uma fachada austera, dura, porque ela está diretamente ligada à tragédia. Ela garante que ninguém vai esquecer o que aconteceu ali — acrescenta o arquiteto.
Ao entrar no memorial, haverá uma sensação de transformação.
— O passado de dor vira um presente de acolhimento — comenta Motta.
O ambiente interno contará com um jardim, em um espaço iluminado e bem ventilado, voltado ao conforto dos visitantes. Além disso, o teto do memorial será sustentado por 242 pilares de madeira (número de vítimas da tragédia), cada um com o nome de uma vítima e com um suporte no qual poderão ser depositadas flores.
Já o futuro estará contemplado em outras estruturas internas destinadas a receber, principalmente, atividades educacionais e culturais com foco na conscientização para evitar que tragédias semelhantes aconteçam.
O memorial terá um auditório, com um palco central e espaço para plateia de lados opostos, uma sala multiuso para abrigar acervo de exposição multimídia e uma sala para comportar a sede da AVTSM. O projeto está distribuído em um único pavimento, para facilitar a acessibilidade e torná-lo mais viável economicamente, além facilitar a manutenção.
O escritório de Motta foi o vencedor entre 133 projetos inscritos, dos quais quase um terço eram do Rio Grande do Sul e os demais de 13 Estados brasileiros diferentes. Prefeitura de Santa Maria, Nações Unidas e três faculdades de Arquitetura e Urbanismo de Santa Maria foram parceiras na realização do concurso.