As defesas dos quatro réus do processo da boate Kiss apresentaram ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) as razões da apelação contra a sentença do juiz Orlando Faccini Neto. O prazo terminou na terça-feira (15).
Em 10 de dezembro de 2021, num julgamento histórico, o mais longo ocorrido no Estado – 10 dias –, o juiz Orlando Faccini Neto, da 1ª Vara do Júri, após decisão dos jurados pela condenação dos réus por homicídio com dolo eventual, proferiu a sentença, estabelecendo as penas.
Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, sócio da Kiss, foi condenado a 22 anos e seis meses de prisão em regime fechado; Mauro Hoffmann, sócio da Kiss, a 19 anos e seis meses de prisão em regime fechado; Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, a 18 anos de prisão em regime fechado; e Luciano Bonilha Leão, produtor de palco da banda Gurizada Fandangueira, a 18 anos de prisão em regime fechado.
Os réus respondem ao processo presos.
Em comum, os advogados sustentam nulidades após a sentença de pronúncia, ou seja, após a decisão do juiz de Santa Maria Ulysses Fonseca Louzada, que determinou que os réus fossem julgados pelo Tribunal do Júri. O processo tramitou durante anos na cidade do centro do Estado, local da tragédia, antes de ser remetido a Porto Alegre em razão do chamado “desaforamento”, determinado pelo TJ-RS.
Em função dessas nulidades alegadas, os réus pedem novo julgamento.
Próximos passos
O relator da matéria, desembargador Manuel José Martinez Lucas, da 1ª Câmara Criminal, abrirá prazo de oito dias para apresentação de contrarrazões pelo Ministério Público (MP). Caberá à promotora Lúcia Helena Callegari, que atuou no processo em primeiro grau, apresentar o recurso.
Após a apresentação das contrarrazões pelo MP, o próximo passo será o envio do processo ao procurador de Justiça que responde perante a 1ª Câmara Criminal. Ele deve proferir, em até 10 dias, um parecer.
Depois disso, o processo volta ao relator para elaboração de seu voto. Em seguida, vai para o revisor, que, após elaborar o voto, será o desembargador responsável por marcar a data do julgamento.
O que dizem os advogados dos réus nos recursos apresentados:
Elissandro Spohr
O advogado Jader Marques juntou ao processo 51 laudas com suas razões para apelar da sentença. Além disso, também anexou um parecer de 89 folhas do professor Salo de Carvalho sobre a dosimetria da pena. Os professores Alexandre Wunderlich e Marcelo Ruivo também emitiram parecer no caso a pedido de Jader.
“A defesa consignou nos autos, na forma e no momento legalmente previstos, uma série de nulidades posteriores à Pronúncia. Todas essas nulidades foram registradas na primeira oportunidade ou, até mesmo, antes da ocorrência da atipicidade. O profissional que subscreve esta peça dirigiu inúmeros pleitos ao Juiz de Direito que presidiu os trabalhos, sempre com o maior respeito e com o intuito de evitar que erros fossem cometidos. Recebeu como resposta, infelizmente, grosserias e falta de educação (vide despachos prévios e gravação do julgamento)”, descreve Jader logo no início do recurso, reforçando as críticas ao magistrado ao longo de sua manifestação.
Marcelo de Jesus dos Santos
Em 76 páginas, Tatiana Borsa também alega uma série de nulidades, entre elas, o que classifica como “excesso de linguagem” do juiz Orlando Faccini Neto.
“O excesso de linguagem da sentença, a qual condenou Marcelo a 18 anos de reclusão em regime fechado, evidencia que o Magistrado extrapola sua competência em sede de “Presidente do Tribunal do Júri, quando cabe a ele aplicar a pena e não externar sua opinião como assim o fez em fls. 1 -13, manifestando-se de modo inapropriado, expondo seu lado inquisidor e parcial para a acusação”, sustenta Tatiana, ao pedir, ao final, “que seja revogada a prisão preventiva de Marcelo ou aplicadas as medidas cautelares contidas no Art. 319 do CPP”, sustenta Tatiana.
Luciano Bonilha Leão
O advogado Jean Severo, com os demais advogados da banca que assinam o recurso, em 122 laudas, também pontua as nulidades que considera ter ocorrido, argumentando que “a decisão do conselho de sentença se deu absolutamente contrária à prova constante dos autos, inclusive foi de encontro ao produzido durante a sessão plenária do Tribunal do Júri”. Também classifica a pena como “evidentemente excessiva e desproporcional”.
“Verifica-se, já de plano, a ocorrência de duas explicitas ilegalidades: (i) o sorteio de número excessivo de pessoas para compor a reunião periódica (150 jurados); (ii) múltiplas datas para ocorrência dos sorteios, tendo o último ocorrido nada mais nada menos que 6 dias antes do início dos trabalhos em plenário”, diz um trecho do recurso sobre o que considera nulidade no que diz respeito ao sorteio dos jurados”, pontua Severo.
Mauro Hoffmann
Os advogados Mário Cipriani e Bruno Sligman de Menezes, em 54 páginas, também pedem a anulação do julgamento.
“No mérito, requer o provimento recursal anular o julgamento, em razão de (1) parcialidade do julgador; (2) o sorteio ilegal do jurados com forma não prescrita em lei e impedindo o anterior conhecimento pelos advogados de defesa; (3) o uso de prova (maquete eletrônica em 3d de reconstituição) sem conhecimento prévio integral pela defesa; (4) a ausência de impedimento pelo julgador sobre a manifestação da assistência (vítimas e seus familiares) e da imprensa, influenciando negativamente os jurados, e ainda (5) inovação acusatória em réplica; (6) ofensa e exploração do direito ao silêncio; e (7) deficiência do segundo e quarto quesitos – nulidade e deficiência da quesitação”, defendem os advogados.
O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul encaminhou nota para GZH:
"Nós temos confiança no julgamento, na correta condução do magistrado, na justa condenação e prisão dos responsáveis, apesar de todas as dificuldades impostas pelas defesas na tentativa de criar situações de nulidade. Agora exploradas. Não temos dúvida alguma da legalidade do júri, por isso também confiamos na decisão do TJRS e dos Tribunais Superiores, caso tenham que também enfrentar a questão. A apelação é um direito das partes e as defesas dos réus, julgados e condenados pelo Tribunal do Júri, estão fazendo seu papel dentro do processo legal. O que estranhamos, neste caso, é o fato de uma das defesas seguir usando a mesma estratégia, provocar um debate público enviesado em situações cuja decisão é eminentemente jurídica, técnica. Seguimos na mesma conduta, respeitando a lei e seus operadores, assim como os familiares das vítimas e sobreviventes da tragédia, que esperaram por quase nove anos a realização deste júri que agora as defesas buscam anular. Iremos analisar o conteúdo das razões de apelação, formular nossas contrarrazões e, no momento apropriado, apresentar à Justiça".
Procurado, o juiz Orlando Faccini Neto disse que “os recursos são parte do normal desenvolvimento do processo e as razões das partes vinculam-se às suas visões e interesses, Caberá ao Tribunal avaliá-las, e a mim, respeitar o que for decidido”.
O julgamento
Participam do julgamento da apelação três desembargadores. A 1ª Câmara Criminal teve uma mudança de composição nos últimos meses. O desembargador Honório Gonçalves da Silva Neto foi substituído pelo colega José Conrado Kurtz de Souza.
Como a câmara possui quatro desembargadores e dois juízes convocados (se necessário for, serão chamados), só se saberá a composição para o julgamento mais perto da data.
Nos julgamentos anteriores de recursos, participaram, além do relator Lucas, os desembargadores Jayme Weingartner Neto (revisor) e Honório Gonçalves da Silva Neto.
O presidente da 1ª Câmara Criminal, desembargador Sylvio Baptista Neto, ficou de fora. Os juízes convocados que poderão ser chamados, se necessário, são Felipe Keunecke de Oliveira e Andréia Nebenzahl de Oliveira.
Contra o acórdão da 1ª Câmara Criminal, caberá o recurso de embargos declaratórios pelas partes. Também será possível a apresentação de embargos infringentes se for 2 a 1 desfavorável aos réus. Nesse caso, quem julgará esse eventual recurso será o 1º Grupo Criminal, que é composto pelos integrantes da 1ª e 2ª câmaras criminais.
Fazem parte da 2ª Câmara Criminal, atualmente, os desembargadores José Antônio Cidade Pitrez, Luiz Mello Guimarães, Rosaura Marques Borba e Gisele Anne Vieira de Azambuja, além da juíza convocada Viviane de Faria Miranda.
Em caso de empate no julgamento pelo 1º Grupo Criminal, os réus são beneficiados. Dessa decisão, cabe recursos especial para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (STF).