A segunda testemunha ouvida no júri dos acusados pelo incêndio da boate Kiss, Jéssica Montardo Rosado, 33 anos, se considera uma garota de sorte. Ela assistiu ao início do fogo e conseguiu sair quase ilesa. Só uma costela foi fraturada na queda, dentro da danceteria.
As maiores sequelas são emocionais: ela chora sem parar ao lembrar do irmão, o estudante de Educação Física Vinícius Montardo Rosado, 26 anos, que morreu após salvar várias pessoas, intoxicado pela fumaça que engolfava o ambiente da casa noturna.
Jéssica, formada em Direito após a tragédia, passou mal ao testemunhar, nesta quinta-feira (2), perante o julgamento dos quatro acusados pela morte de 242 pessoas na boate Kiss. Teve de ser atendida por médicos, mas retomou o depoimento.
Na madrugada de 27 de janeiro de 2013, Jéssica estava com o irmão, mas se desgarrou dele, ao fugir do incêndio. Ligou para o celular de Vinícius, mas o aparelho estava desligado. Ela inalou fumaça sem querer, ao tentar buscar o familiar, mas foi impedida por policiais de ingressar na boate.
Vários amigos diziam que Vinícius estava bem, pois tinham visto ele fora da boate. Só que o irmão dela tinha voltado para a danceteria, para ajudar nos resgates. Passaram-se as horas, e o rapaz não aparecia, a família decidiu procurar nos hospitais. Por volta das 7h30min chegou a notícia: o corpo dele havia sido encontrado a poucos metros da porta.
A imagem que Jéssica guarda do irmão é de um herói. Depoimentos indicam que ele retornou pelo menos quatro vezes para dentro da boate. Num dos casos, teria saído com duas pessoas debaixo do braço. Aí desmaiou e não conseguiu sobreviver.
— Falam que ele salvou 14 pessoas. Ele pensou nos amigos que estavam lá dentro e voltou. Meu irmão era a melhor pessoa na minha vida. E olha que perdi muitos amigos lá, muitos — descreve.
Questionada se viu uso de fogos na danceteria, ela afirma que nunca, antes da noite da tragédia.
Sobre os réus, Jéssica admite que já viu alguns deles, após a tragédia. Ela recorda que Luciano Bonilha, produtor da banda Gurizada Fandangueira, encontrou o pai dela e chorou. Fala também que viu Elissandro Spohr, o Kiko (sócio da casa noturna) logo após o começo do incêndio, tentando retornar à boate. E que o vocalista da banda, Marcelo dos Santos, a viu momentos após o incêndio e ele pediu que ela saísse de perto.
Ao final do depoimento, o advogado de Elissandro, Jáder Marques, chamou seu cliente para se aproximar de Jessica. O juiz negou o pedido e o classificou de "apelativo". Marques respondeu que considera "ofensiva" a atitude do juiz.
O depoimento de Jéssica durou quatro horas e meia. Os relatos prosseguem nesta quinta com as falas previstas do engenheiro Miguel Ângelo Teixeira Pedroso (que atuou no projeto de isolamento acústico da Kiss) e das vítimas Lucas Cauduro Peranzoni, Érico Paulus Garcia e Gustavo Cauduro Cadore.