O segundo dia do júri dos acusados pelas mortes de 242 pessoas no incêndio da boate Kiss prossegue na manhã desta quinta-feira (2) com depoimentos de vítimas. O primeiro a ser ouvido foi o engenheiro Emanuel Almeida Pastl, 27 anos.
Natural de Porto Alegre, onde cursava Engenharia de Minas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ele estava de férias em Santa Maria quando aconteceu a tragédia, em 27 de janeiro de 2013. Ele e um irmão gêmeo, Guilherme (também universitário), foram à Kiss naquela noite. Quase não conseguiram sair. Ficaram presos em meio à multidão em fuga, logo após os primeiros gritos de "fogo".
— Acho que as noções apreendidas com o pai, que é bombeiro, nos ajudaram a sair.
Os gêmeos sofreram queimaduras e foram entubados, devido à falta de ar causada pela fumaça tóxica. Do Hospital da Caridade, em Santa Maria, foram levados para o Hospital Universitário, de Canoas, mais perto de casa. Foram 10 dias na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), para se recuperar das lesões pulmonares e das queimaduras.
Uma das que o tratou foi a enfermeira do Grupo de Pele do hospital Mirélle Bernardini. Após ter alta, ela e Emanuel mantiveram intensa troca de mensagens pelas redes sociais. Os dois se reencontraram, começaram a namorar e casaram, em 2018. Do fruto dessa relação nasceu Antônia, hoje com dois anos de idade.
Emanuel se graduou em Engenharia de Minas e, influenciado pela tragédia da Kiss, começou a trabalhar numa empresa de proteção contra incêndios. É com rigor técnico que ele enumera, no júri, o que considera falhas ocorridas na boate (apesar de salientar que fala como vítima, já que não viu as plantas do prédio):
— Só tinha uma saída de emergência. Não entenderam o risco de fazer um show pirotécnico dentro de um local fechado. O material usado para isolamento acústico era inadequado e inflamável. Os extintores eu não vi... Não tocou alarme de incêndio. O sistema de distribuição de ar manteve a fumaça dentro da danceteria. A sinalização de emergência era deficiente e não indicava o caminho correto para a saída da boate.
Pastl lembrou que, após a queda de luz que se seguiu ao fogo, tudo ficou escuro e a iluminação de emergência falhou. Ele recordou que muita gente rumou para o banheiro porque ali se refletia a luz de um poste da rua, dando alguma claridade.
— Mais de cem pessoas pensaram que o banheiro era a saída, mas não era.
Os depoimentos prosseguem hoje com relatos de Jéssica Montardo Rosado (sobrevivente), do engenheiro Miguel Ângelo Teixeira Pedroso (que atuou no projeto de isolamento acústico da Kiss) e das vítimas Lucas Cauduro Peranzoni, Érico Paulus Garcia e Gustavo Cauduro Cadore.