
Faltando 15 dias para o início do júri que irá decidir o processo principal da tragédia da Boate Kiss, um levantamento entre os réus militares do caso mostra que quatro bombeiros restaram condenados em segunda instância. Até o momento, sem trânsito em julgado, não houve a execução das penas: há recursos pendentes no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O incêndio na Boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria, deixou 242 pessoas mortas, em sua maioria jovens universitários.
Os condenados foram acusados pelo Ministério Público de inserir declarações falsas nos processos de liberação de funcionamento da Kiss. Também houve apontamento de concessão irregular de alvará. Um dos condenados, o coronel da reserva Moisés da Silva Fuchs, ainda foi responsabilizado pelo delito de prevaricação. Ele não teria tomado providência ao saber que um de seus sargentos atuava em uma empresa que fez obras na Kiss. Dois dos bombeiros envolvidos foram condenados tanto na Justiça Militar quanto na comum. Outros dois foram sentenciados apenas na comum (veja quadro ao final). As penas aplicadas variam desde um ano e três meses de reclusão, a mais alta dentre todas as punições determinadas, até a perda de direitos políticos e pagamento de multa.
Ainda há o caso específico de outros três bombeiros. Dois deles respondiam na Justiça comum, mas um teve a punibilidade extinta após cumprimento de medidas previstas em acordo de suspensão do processo e outro chegou a ser condenado, mas o caso acabou prescrevendo, extinguindo a sanção. Um terceiro recebeu condenação no Tribunal de Justiça Militar (TJM), mas acabou absolvido pela mesma corte na apresentação de embargos infringentes (ver quadro ao final).
A sentença punitiva mais recente, que atingiu os quatro bombeiros responsabilizados, foi emitida pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, em setembro de 2020. As condenações foram baseadas em atos de “improbidade administrativa”. As infrações ocorreram, conforme a denúncia do Ministério Público, pela adoção de um software para a expedição de alvarás de prevenção contra incêndio. A denúncia diz que o uso dessa ferramenta deu mais celeridade aos processos, mas permitiu a liberação de autorizações de funcionamento em desacordo com as normas de prevenção. Para o MP, os réus “assumiram o risco de implantação de sistema deficiente”.
As condenações por falsidade ideológica ocorreram porque bombeiros teriam inserido informações inverídicas em processos de emissão de alvarás, dando aspecto de legalidade a documentos que continham falhas e inobservâncias à legislação de prevenção a incêndio.
O principal processo da Kiss irá a júri popular a partir de 1º de dezembro, em Porto Alegre, tendo como réus os sócios da boate Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, além do músico Marcelo de Jesus dos Santos e do produtor de palco Luciano Bonilha Leão, todos civis. Eles respondem por 242 homicídios simples, com dolo eventual, quando assume-se o risco de matar. Também são imputadas a eles 636 tentativas de homicídio, correspondente ao número de feridos da tragédia.
Os condenados
Justiça Militar
Moisés da Silva Fuchs - Condenado pelo Tribunal de Justiça Militar (TJM). Um ano e três meses de reclusão pelos crimes de falsidade ideológica e prevaricação. Há recurso no STJ e, por isso, a execução da pena não foi iniciada. Fuchs era tenente-coronel e foi comandante do 4º Comando Regional dos Bombeiros. Atualmente, é coronel da reserva.
Alex da Rocha Camillo - Condenado pelo Tribunal de Justiça MIlitar (TJM). Um ano de reclusão pelo crime de falsidade ideológica. Há recurso no STJ e, por isso, a execução da pena não foi iniciada. Camillo era capitão e, atualmente, é tenente-coronel da reserva.
Justiça comum
Daniel da Silva Adriano - Condenado em segundo grau. Pena: direitos políticos suspensos por três anos, proibido de firmar contratos e receber benefícios ou incentivos fiscais do poder público pelo mesmo período e multa equivalente a oito remunerações. Como cabe recurso, não foi iniciada a execução da pena. Atualmente é tenente-coronel da reserva.
Altair de Freitas Cunha - Condenado em segundo grau. Pena: direitos políticos suspensos por três anos, proibido de firmar contratos e receber benefícios ou incentivos fiscais do poder público pelo mesmo período e multa equivalente a cinco remunerações. Como cabe recurso, não foi iniciada a execução da pena. Atualmente é coronel da reserva.
Moisés da Silva Fuchs - Condenado em segundo grau. Proibido de firmar contratos e receber benefícios ou incentivos fiscais do poder público por três anos, suspensão dos direitos políticos por quatro anos e multa equivalente a 12 remunerações. Como cabe recurso, não foi iniciada a execução da pena.
Alex da Rocha Camillo - Condenado em segundo grau. Pena: Proibido de firmar contratos e receber benefícios ou incentivos fiscais do poder público por três anos, suspensão dos direitos políticos por quatro anos e multa equivalente a 10 remunerações. Como cabe recurso, não foi iniciada a execução da pena.
Outros casos
Daniel da Silva Andrade - Chegou a ser condenado pelo Tribunal de Justiça Militar (TJM), mas, no final, acabou absolvido por essa mesma corte na apreciação de um embargo infringente, recurso que pode ser apresentado quando o acórdão do julgamento não é unânime, existindo voto divergente entre os julgadores.
Renan Severo Berleze - Teve a punibilidade extinta pelo cumprimento de condições impostas em acordo de suspensão condicional do processo.
Gerson da Rosa Pereira - Sofreu uma condenação, contudo, devido ao tempo de duração do processo e ao tamanho da pena aplicada, acabou beneficiado pela prescrição, resultando na extinção da punibilidade.