Enquanto uma parte das mulheres discute o tabu e os mitos que permeiam a menstruação, com a possibilidade de se reconectarem com a essência feminina, outra parcela da população não tem acesso ao básico para manter a rotina mensal de higiene que o período exige, como um absorvente, por exemplo. Para muitas, o produto ainda é artigo de luxo. Um pacote com 30 unidades custa, em média, R$16. Muitas vezes não é suficiente para o ciclo, então, é preciso comprar dois. São mais de R$ 30 em um artigo de higiene básica. Um item.
Em 2014, a Organização das Nações Unidas reconheceu que o direito das mulheres à higiene menstrual é uma questão de saúde pública e de direitos humanos. A ONU estima que uma em cada dez meninas perdem aula quando estão nesse período. Você já pensou como é para uma garota, que vive em uma situação vulnerável, ir para a escola sem ter dinheiro para comprar a proteção íntima todos os meses?
Victória Dezembro refletiu tanto sobre o assunto que decidiu criar o Projeto Luna assim que voltou ao Brasil após uma temporada de estudos em Florença, na Itália. "A pandemia acentuou a necessidade das mulheres em situação de vulnerabilidade econômica a escolherem se compram comida ou gastam o pouco dinheiro que têm com artigos de higiene menstrual. Foi aí que coloquei o Projeto Luna na rua", afirma.
A essência do trabalho está na distribuição de kits que incluem, além dos absorventes, itens como calcinhas, sabonetes, escovas e pastas de dente a meninas e mulheres menos favorecidas. Até agora, já foram realizados três pilotos com a distribuição de 125 kits desde setembro do ano passado em regiões da capital paulista como praça Olavo Bilac, estações Marechal Deodoro e Barra Funda do metrô, avenida Francisco Matarazzo, Viaduto Antarctica, alameda Barão de Limeira e praça Brigadeiro Galvão. Nesta terça, 19, a doação acontece na região do Minhocão, por volta das 19h30.
"Conseguimos atender algumas áreas da cidade de São Paulo, mas tenho certeza que, à medida em que o tema da pobreza menstrual começar a ser mais debatido, teremos condições de ampliar nosso alcance e inspirar iniciativas em outros lugares. Também não fizemos nenhum grande anúncio do Projeto e, ainda assim, o número de seguidores no Instagram, nossa principal ferramenta de divulgação, cresce rápido e de forma sustentável", afirma.
E o objetivo do programa é aumentar o volume de materiais para a próxima doação, que já terá cem kits. "Ainda não fizemos nenhuma distribuição em comunidades, mas isto está no nosso radar para os próximos meses", ressalta Victória.
Ela também lançou uma vaquinha online. A meta era arrecadar aproximadamente R$ 500, mas o valor ultrapassou os R$ 5 mil até o fechamento desta reportagem. "A vaquinha hoje é a nossa única ferramenta de arrecadação. Todo o montante é revertido para o Projeto Luna. Além da preparação dos kits, tive gastos com a formalização da ONG (contador, cartório de registros), para desenvolver a identidade visual, o designer gráfico para os posts no Instagram etc. Além do pacote com 25 absorventes diurnos e cinco noturnos, que cobrem um ciclo menstrual, cada sacolinha contém uma calcinha 100% algodão, uma escova e uma pasta de dentes, uma barra de sabonete e um rolo de papel higiênico", explica.
Iniciativas de combate à chamada 'pobreza menstrual' são observadas em diversos países do planeta. No Reino Unido, a jovem ativista Amika George, de 19 anos, criou uma organização, a Free Periods, para lutar pela distribuição gratuita do item em escolas e universidades.
Em novembro de 2020, a Escócia se tornou o primeiro país do mundo a oferecer produtos gratuitos para todas as mulheres, independente da idade. O projeto de lei, criado por Monica Lennon, do Partido Trabalhista, foi aprovado por unanimidade pelo parlamento.
Para Victória Dezembro, a menstruação é um tabu, independentemente da condição social: "Uma forma de combater a pobreza menstrual é exatamente tirando o tabu que cerca o tema. Esta não é uma tarefa fácil, porque a gente ainda vive em uma sociedade com muitos valores patriarcais, em que as necessidades das mulheres são negligenciadas, e que nos condicionou a ver a menstruação assim".
As brasileiras pagam 34,48% de imposto sobre absorvente higiênico, segundo a tabela do Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo. "É a mesma taxação de artigos de luxo, quando estamos falando de itens de necessidade básica", destaca.
A fundadora do Projeto Luna quer que os kits que serão distribuídos atinjam o maior número de pessoas, para além do público feminino que precisa: "Todos os corpos que menstruam em situação de vulnerabilidade econômica e social: mulheres, meninas, homens trans, não binárias, pessoas intersexo e queer. Estamos falando de moradores de rua, de casas-abrigos e ocupações, além de casas de acolhimento para o público LGBTQ+ e presídios".