O jornalista Marcelo Rech, vice-presidente Editorial e Institucional do Grupo RBS, foi reeleito na quinta-feira para o terceiro mandato como presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) pelos próximos dois anos.
A nomeação ocorreu durante reunião virtual do Conselho de Administração na Assembleia Geral de Associados da entidade. O início do novo mandato coincide com um movimento que reúne 27 entidades brasileiras da área de comunicação, incluindo a ANJ, em torno de objetivos comuns do setor. A primeira iniciativa dessa coalizão foi protocolar, na Câmara dos Deputados, uma carta ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pedindo apoio a uma série de aspectos do Projeto de Lei das Fake News e em defesa do jornalismo profissional.
A seguir, Rech trata deste e de outros desafios da atividade.
Algumas pessoas dizem que os jornais vão desaparecer. Isso é verdade?
Em alguns segmentos, ainda há uma visão antiga e desatualizada de que jornais são veículos impressos apenas. Mas, pelo fato de terem sido uma das primeiras atividades a enfrentar a disrupção digital, os jornais estão também entre os primeiros a identificar novos horizontes e a se reinventar. Hoje, são plataformas de produção que apuram, processam e distribuem informação de credibilidade 24 horas por dia, sete dias por semana, por inúmeros canais, inclusive o impresso. Há 20 anos, se imaginava que os jornais seriam uma usina informativa. Essa visão se materializou, e com um alcance muito mais amplo do que quando estávamos limitados ao impresso e a um território de circulação de exemplares físicos.
Os novos modelos de comunicação, como as grandes plataformas digitais, não acabarão substituindo os jornais?
Em um primeiro momento, algumas pessoas cogitaram que isso poderia ocorrer, mas a tendência é de valorização da atividade básica dos jornais. A busca da verdade – apurada com técnica profissional e equilíbrio – se transformou em um bem de primeira necessidade, assim como a pluralidade de visões. Verdade e pluralismo são bem escassos em ambientes digitais nos quais sobressaem as fake news e as bolhas de opinião. Diferentemente dos difusores de desinformação, os jornais não estão no ramo do erro. Pelo dinamismo e subjetividade do jornalismo, não somos imunes a equívocos, seja na precisão das descrições de fatos ou nos julgamentos sobre a relevância de alguns assuntos. Mas os jornais e o jornalismo vivem de acertos – e esse é um ativo cada vez mais em alta, e pelo qual mais pessoas estão dispostas a pagar. Na prática, os jornais estão no ramo da confiança.
O futuro é o jornalismo pago?
Diferentes modelos convivem em diferentes cenários, de acordo com a estratégia de cada veículo. De uma forma geral, pode-se dizer que conteúdos generalistas que visam atrair enormes audiências seguirão abertos e buscarão se financiar apenas com publicidade. Mas conteúdos exclusivos e diferenciados, o que inclui opiniões abalizadas e visões de fontes muito especializadas, serão crescentemente remunerados por quem se dispõe a ter acesso a informações que não estão disponíveis para todos. Também se verá cada vez mais o modelo híbrido. Jornalismo de qualidade e independente não é barato e, mesmo a valores muito modestos diante de seus benefícios, precisa ser bancado pela publicidade ou por usuários.
Por que parece que o jornalismo criou tantos inimigos?
Uma imprensa livre inclui, necessariamente, visões críticas, opiniões e abordagens que porventura desagradam a governantes e seus apoiadores, adeptos de partidos, empresas, ativistas e um vasto rol que vai até torcedores de um clube de futebol. É um fenômeno normal e até previsível quando se produz conteúdo. A diferença de agora é que eventuais descontentamentos descambam até as raias de ataques à integridade física de jornalistas e aos linchamentos virtuais.
Por que isso acontece?
O objetivo de quem está por trás dessa instrumentalização não é estabelecer a verdade ou contrapor argumentos. É a destruição do mensageiro por meio de difamações e desinformações disseminadas pelas redes e por grupos de mensagem. Esse submundo digital, que se movimenta nas sombras do anonimato, sobrevive às margens da lei. É um problema universal, muito comum na guerra política do mais baixo nível, e que corrói as relações pessoais e sociais.
O que fazer para combater?
No Brasil, 27 entidades da comunicação, jornalísticas e publicitárias, estão se unindo em uma coalizão chamada Liberdade com Responsabilidade para chamar a atenção sobre aspectos do Projeto de Lei 2.630, conhecido como Lei das Fake News, que estavam passando por baixo do radar no debate público e no Congresso. Muito por influência de quem, por razões comerciais ou ideológicas, não quer obstáculos à difusão de desinformações, o debate parecia se resumir a ameaças à liberdade de expressão e privacidade, que são como água e oxigênio. Sua preservação é essencial e, dentro da Constituição, delas também não abrimos mão.
Como conter as fake news?
A coalizão propõe duas grandes linhas: a extensão da legislação brasileira sobre publicidade para as plataformas digitais e a remuneração do conteúdo jornalístico usado pelas plataformas em seus modelos de negócios. Plataformas se comportam cada vez mais como veículos de comunicação. Chegam a comprar direitos de transmissão de futebol e vendem anúncios baseados em audiências como qualquer meio de comunicação, mas não querem assumir o ônus de serem veículos. Se cumprissem a regulamentação da publicidade, as plataformas teriam de ser mais transparentes sobre quem financia os conteúdos impulsionados, por exemplo. E, com o pagamento pela atividade jornalística, se faria justiça pelo empréstimo da relevância conferida pelo jornalismo e se evitaria o avanço dos chamados desertos de notícias.
O que são esses desertos?
Em vastas regiões do Brasil e do mundo já não há mais produção profissional de jornalismo – definida como aquela que cumpre as leis e adota princípios éticos universais, como a busca da verdade e a pluralidade. Ou então o ecossistema de comunicação está tão enfraquecido que pistoleiros da internet a serviço de quem lhes paga mais produzem e difundem fake news sem que haja órgãos de comunicação fortes o suficiente para repor a verdade. As vítimas são desde os políticos locais até a boa-fé das comunidades. As grandes plataformas digitais sugaram fontes de financiamento dos veículos de comunicação e agora se valem de seus conteúdos e prestígio para monetizar seu negócio. Para vender publicidade, elas precisam de engajamento. E, infelizmente, desinformação, teorias da conspiração e discursos de ódio geram compartilhamento.
No resto do mundo, como o problema está sendo tratado?
A União Europeia aprovou em abril do ano passado uma diretriz que determina aos países membros a criação de leis para remunerar a atividade intelectual e informativa pelas plataformas.
A França foi o primeiro país a começar a colocar em prática a diretriz. E agora, na Austrália, a autoridade que fiscaliza práticas anticompetitivas determinou negociação para que as plataformas recompensem adequadamente os veículos pelo uso de seus conteúdos. Se não houver acordo, indicará um árbitro para apresentar solução.
O que motiva as legislações?
No fundo, é a defesa da democracia. As mentiras em escala industrial, com a manipulação grotesca de fatos e emoções de eleitores, embaçam um princípio elementar das democracias: o direito de escolha baseado em fatos e na realidade. Nas eleições das Filipinas, no Brexit, nos EUA, no Brasil, na Índia, em toda parte, estrategistas de campanha passaram a dominar a lógica – ou a falta dela – dos algoritmos e aplainaram o terreno para a mensagem radical de seus candidatos cair em solo fertilizado.
O crescimento dos extremos resulta nesta combinação que preocupa a quem acredita que as divergências de visão devem ser resolvidas pelo diálogo e pelo bom senso em um ambiente democrático de respeito e convivência pacífica.
Como lidar com os ataques do presidente Jair Bolsonaro à imprensa e a jornalistas?
O presidente emula sua inspiração norte-americana e despreza notícias e opiniões em contrário. Em vez de rebatê-las, agride o mensageiro, como no caso recente do repórter que perguntou sobre os depósitos de Fabrício Queiroz na conta de sua esposa. Bolsonaro pode até animar uma torcida fanatizada, mas num plano mais amplo implode cada vez mais sua imagem, e a do Brasil, no Exterior, além de afastar possíveis apoiadores moderados. Também já usou a caneta para tentar retirar oxigênio financeiro de veículos no ano passado, quando editou duas MPs para impedir a publicação de balanços e editais dos jornais. Congresso e STF, que não têm sido poupados de críticas pela imprensa, reverteram as medidas porque enxergaram nelas uma retaliação e compreendem o papel fiscalizador da atividade jornalística.
Essa fase paz e amor do presidente não pode ser um ponto de inflexão nos ataques?
Esperamos que sim e que os casos da ameaça ao repórter de O Globo e outros se transformem em passado. O presidente não precisa gostar da imprensa – nenhum governante morre de paixão por quem divulga críticas a ele. Mas um chefe da nação precisaria entender melhor a missão do jornalismo e que a atividade sempre seguirá em frente, enquanto chefes de governo vêm e vão. Na América Latina, muitos governos de esquerda também perseguiram abertamente a imprensa, como Cristina Kirchner, na Argentina; Rafael Correa, no Equador; e Hugo Chávez, na Venezuela. Lula também tem posição ameaçadora contra alguns veículos brasileiros. É na companhia deles que o presidente Jair Bolsonaro quer passar para a História?