O código postal pode ser mais importante para a condição de saúde de uma pessoa do que o seu código genético. Com base nessa ideia, um novo índice para medir o impacto de características socioeconômicas na saúde das pessoas foi criado por pesquisadores da USP e do Hospital Israelita Albert Einstein. Feito em parceria com o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS), o índice recebeu o nome de GeoSES e um estudo sobre ele foi recentemente publicado na revista científica Plos One.
A ideia é resumida por Edson Amaro, responsável pela área de Big Data do Einstein, em parte de uma letra da música "Crumbs From Your Table", do U2: "Where you live should not decide/Whether you live or whether you die (onde você vive não deveria indicar se você vai viver ou morrer, em tradução livre)". Os pesquisadores já puderam observar parcialmente, por exemplo, a relação da covid-19 no Brasil com as condições socioeconômicas, ou seja, a fragilidade frente a doença de pessoas em maior situação de vulnerabilidade.
— Das sete dimensões analisadas pelo GeoSES, a pobreza estava com uma relação inversa à da covid-19. Quanto maior o percentual de pobreza do município, maior o risco relativo de mortalidade pela covid-19 — afirma Ligia Vizeu Barrozo, pesquisadora do departamento de geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e coordenadora do grupo de estudos espaço urbano e saúde do Instituto de Estudos Avançados, também da USP.
Segundo os pesquisadores, a relação entre o local em que cada um mora e a sua suscetibilidade é mais visível, por exemplo, em casos de doenças crônicas, mais prevalentes conforme menores são os indicadores socioeconômicos.
— Na cidade de SP, 75% da variação da mortalidade de doença cardiovascular, causa número um de mortes, são explicados por fatores que não têm nada a ver com saúde — diz Amaro.
Segundo ele, fatores como educação e o transporte podem ter impacto no caso específico das doenças cardiovasculares, com maior ou menor chance de morte pela condição.
— O que faz uma pessoa sobreviver se ela tiver um infarto em casa? Ela tem que chegar rápido no hospital — diz Amaro. — Não adianta ter condições de atender pessoas no serviço público se as pessoas não tem como chegar ao serviço público, se elas não têm rua, transporte ou Samu que chegue — afirma.
O índice analisa, a partir de dados do censo 2010 sete dimensões socioeconômicas: educação, pobreza, riqueza, renda, segregação, mobilidade e privação de serviços e recursos (com possibilidade de análises específicas para cada tema). Com isso, torna-se possível medir a vulnerabilidade socioeconômica.
A nova escala surgiu a partir do trabalho de Barrozo para tentar entender o impacto socioeconômico na saúde em São Paulo, dentro do projeto temático Modau, que é coordenado pelo pesquisador Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da USP. O trabalho então cresceu e passou a ser aplicável a todo o território brasileiro com a equipe de dados do Einstein.
Segundo os pesquisadores envolvidos no projeto, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) já leva em conta longevidade, ou seja, considera a saúde em seu cálculo, o que dificulta quando você quer analisar unicamente aspectos sociais para análises de saúde. Por isso, de acordo com eles, há serventia em criar uma nova métrica.
— Matematicamente, quando vamos tentar explicar riscos por doença, o componente de saúde do IDH acaba criando uma correlação que polui o que é social e não é — diz Barrozo.
Além da utilização do índice para pesquisas na área da saúde, os pesquisadores afirmam que gestores públicos podem usá-la para planejamento. O índice pode ser analisado em escalas municipal, estadual e federal. Os dados já estão disponíveis para ser baixados no DataSUS.