RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - "A gente procura viver um dia de cada vez, sofrendo o menos possível", diz Wanderson Sabino sobre si mesmo e seus colegas da cooperativa de triagem de lixo reciclável Cooptubiacanga, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro.
Eles eram dez; agora são seis. Os demais não estão trabalhando no local porque não há previsão de pagamento. "Só vem quem está tirando água do barco."
Os catadores estão perdendo trabalho e renda por conta do novo coronavírus. Muitas das empresas das quais fazem a coleta do resíduo reciclável estão fechadas e, do outro lado da cadeia, os intermediários que compram o material já separado para revender às indústrias também estão fechados, com medo de multas por não estarem listados entre os serviços essenciais que podem funcionar.
A Cooptubiacanga, por exemplo, continua recebendo lixo da Comlurb, a empresa de coleta do município do Rio de Janeiro, mas está estocando todo o material triado, pois não consegue vender.
Clarice Aramian, presidente da Cooperecológica e coordenadora do Mesc (Movimento Eu Sou Catador), que reúne 86 cooperativas fluminenses, conta que o maior intermediário de sucata metálica do Rio de Janeiro está fechado e a indústria para a qual vendem resíduo eletrônico deve parar em breve.
Na região do Jardim Gramacho, onde antes ficava o maior lixão da América Latina, fechado em 2012, operam 17 cooperativas de catadores, entre elas a de Aramian. Ali, alguns poucos intermediários estão funcionamento, mas pagando cerca de 10% do valor pago no mês passado pelos materiais.
Clineu Alvarenga, presidente do Instituto Nacional das Empresas de Sucata de Ferro e Aço, que reúne empresas que processam a sucata metálica, diz que elas estão trabalhando, mas muitos dos depositários, chamados de intermediários pelos catadores, estão fechados. "O material começa a ficar escasso e daqui a pouco vai nos afetar." As empresas associadas ao instituto são responsáveis por 47% da sucata processada no Brasil.
Além disso, parte das cooperativas fechou por medo do vírus. Isso porque lidam com um lixo que pode estar contaminado. Não há ainda certeza quanto ao tempo de sobrevivências do novo coronavírus em superfícies, mas um estudo publicado na revista científica New England Journal of Medicine relatou que em, materiais como plástico e aço inoxidável, o novo coronavírus pode permanecer por até três dias, ainda que em quantidades muito pequenas. No papelão, o vírus foi encontrado com uma carga maior por até oito horas.
É nesse estudo que está se baseando a geógrafa Luciana Lopes, do Visões da Terra, que auxilia 19 cooperativas em seis estados do país, ao recomendar que o material coletado fique em quarentena nas cooperativas antes de ser triado.
Mas nem todas têm espaço para isso. Para Aramian, o ideal seria que, nas cidades que seguem fazendo a coleta seletiva residencial, como o Rio de Janeiro, o material fosse armazenado por uma semana antes de ser distribuído às cooperativas. "Ou podiam fazer um plano de informação para a gente, de como lidar com o resíduo, dar EPI (equipamento de proteção individual), e orientar sobre procedimentos internos", completa ela.
Na Cooperecológica, que possui caminhão e vans, trabalham nesta semana apenas os três cooperados que fazem a coleta, e nenhum material está sendo separado. A cooperativa tem acordo de coleta de lixo reciclável com três hospitais públicos cariocas, que deixam o lixo por alguns dias em um abrigo de resíduos. Ela defende que as cooperativas não aceitem material que não passou por quarentena. "Mas as pessoas insistem em trabalhar porque o medo de passar fome é muito grande", diz.
A Comlurb diz que os garis da coleta usam EPI, incluindo luvas, mas que as cooperativas devem ser consultadas quanto aos cuidados que estão tomando. Sabino, que faz parte de uma das dez cooperativas que ainda estão recebendo o material da Prefeitura do Rio, diz que ele e seus colegas separam o material assim que ele chega e que não estão trabalhando de máscaras.
Lopes estima que 80% dos cooperados com quem trabalha estejam parados, entre os de cooperativas que estão fechadas e os afastados. Isso porque grande parte dos catadores são do grupo de risco. "Idosos e pessoas com doenças são um perfil frequente entre os cooperados porque não conseguem entrar no mercado de trabalho", diz.
Segundo Aramian, no Rio de Janeiro, a média de renda mensal de catadores cooperados é de R$ 680 e cada cooperativa tem, em média, 20 cooperados.
Na Coopercaxias, que também fica no Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, 10 dos 15 cooperados estão em casa. Segundo Nilson José dos Santos, um dos que segue trabalhando, o local, que chegava a coletar de 60 a 70 toneladas por mês, não consegue hoje coletar nem 20% disso. "Estamos preocupados com duas coisas, com a saúde e com a comida. A gente não sabe como vai sobreviver nesses meses", diz ele.
A Defensoria Pública da União, em conjunto com algumas defensorias estaduais e com o Ministério Público do Trabalho, tem expedido recomendações quanto a catadores de material reciclável, como a necessidade de programas de renda mínima e segurança alimentar, além de fornecimento de equipamentos de proteção e produtos de limpeza.
No dia 23, o governo do Rio de Janeiro sancionou lei que prevê o pagamento de meio salário mínimo a empreendedores da economia popular solidária que estejam registrados no Cadsol (Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários). O governo diz que trabalha para regulamentar a lei o mais breve possível.
Aramian corre agora para ajudar as cooperativas que ainda não têm esse cadastro a se cadastrarem. "Aqueles que trabalham em cooperativas não têm direitos, ganham dinheiro só se trabalhar. Sem trabalho vamos ficar longe do coronavírus e perto da fome", diz ela.
Enquanto isso, o Mesc organiza uma vaquinha online para comprar cestas básicas para membros de 11 cooperativas do estado. O Visões da Terra, que atende cidades como Rondonópolis (MT) e São Luís (MA), também está promovendo uma vaquinha para garantir renda aos trabalhadores das 19 cooperativas que auxilia.