O ano era 2014. Máquinas cobriam de piche a estrada que avança para Esmeralda, município serrano de 3.282 habitantes que ansiava pela conclusão do seu acesso asfáltico. Havia 16 anos que os 38 quilômetros da RS-456 desde a BR-285 evoluíam aos soluços, perpassando cinco governos. Apesar do vaivém de patrolas naquele ano, parte dos moradores acompanhavam céticos a promessa de finalização. Por outro lado, a movimentação já era suficiente para o empresariado apostar no potencial da localidade economicamente sustentada pela agricultura.
— Foi justamente na época em que o asfalto andava com força que as empresas vieram e as coisas começaram a deslanchar. Geraram ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) e uma delas se tornou a maior empregadora privada. No primeiro contato que tivemos com a Cotrijal, por exemplo, perguntaram se tínhamos acesso asfáltico. Respondi que estava em fase de conclusão. Claro, não foi só o asfalto que a atraiu para cá, mas foi o principal motivo, certamente — reconhece o prefeito Ailton de Sá Rosa.
Nem todos os municípios, porém, tem a sorte de Esmeralda. Hoje, ainda é impossível chegar a 54 cidades gaúchas sem sacolejar por estradas empoeiradas de chão batido. Em 2016, eram 65. Para chegar a esses números, foram cruzados dados da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) com relatório do governo do Estado sobre ligação asfáltica. Quando houve informações conflitantes, as prefeituras foram contatadas e, assim, confirmado que 11% dos municípios do Estado, de fato, estão inacessíveis por asfalto.
Esse percentual é adjetivado como "absurdo" pelo secretário de Logística e Transportes, Juvir Costella, e torna-se ainda mais grave se comparado com o da vizinha Santa Catarina, onde todas as sedes municipais estão conectadas por via asfaltada desde 2014.
— Concluir um acesso pavimentado é mais do que impulsionar o desenvolvimento econômico das pequenas cidades do interior. É investir no bem-estar e na autoestima dessas populações — pontua Costella, sem prever, no entanto, data para zerar o índice.
Dos 17.466 quilômetros de malha rodoviária que serpenteia o Estado, 21,31% ainda é de terra. Interligar todos esses municípios por asfalto significa pavimentar ainda 778,48 quilômetros de rodovias, o que custaria, conforme a Secretaria Estadual de Logística e Transportes, R$ 1 bilhão — menos de uma folha de pagamento mensal do funcionalismo estadual.
A pavimentação é muito importante para o transporte das cargas agrícolas. Além de propiciar pavimento contínuo e uniforme, que leva a maior velocidade, diminui custos como frete e manutenção da frota de transporte.
FÁBIO AVANCINI RODRIGUES
Diretor especialista em logística da Federação da Agricultura do RS
Em fevereiro de 2016, o asfalto da RS-456 alcançou a zona urbana de Esmeralda e dissipou a nuvem de poeira que recobria a cidade. As ruas ficaram mais limpas, reconhecem moradores da área central. Relatam que menos caminhões trazem grudados nos pneus o barro e a lama que impregnavam as calçadas. Diminuiu, inclusive, o desgaste prematuro dos veículos. No caso dos oficiais, mantidos pela prefeitura, a vida útil passou de 80 mil quilômetros para mais de 400 mil. Somente em manutenção, o custo caiu cerca de 40%.
— Não tinha nem como transportar paciente com carro da Secretaria da Saúde. Era virado só em poeira por dentro. Agora, a manutenção é básica. Troca de pneu e de óleo e revisão. Aquele negócio de levar toda a hora na oficina não existe mais — assegura o prefeito.
Surgiram outras empresas dispostas a investir. Hoje, os empreendedores que se instalaram em Esmeralda estimulados pela pavimentação empregam 5% dos moradores. Nos últimos quatro anos, a área de plantio aumentou 15%. São 35 mil hectares ocupados por soja, milho e feijão neste ano.
— Devemos muito ao asfalto, sem dúvida. Se for ver, a contrapartida da prefeitura foi muito baixa. Fizemos cascalhamento e terraplenagem. Não teve doação de terreno nem isenção de impostos. Gastamos, no caso da Cotrijal, cerca de R$ 4 mil. E só de ITBI o retorno foi na casa de R$ 800 mil. Sem falar em outros tributos que voltam, como ICMS — calcula Ailton.
Com 50 funcionários e 157 associados em Esmeralda, a Cotrijal começou as atividades com uma unidade e capacidade de armazenamento de 100 mil sacos de cereais. Seis anos depois, os silos das quatro unidades comportam 10 vezes essa quantia. E a tendência é de que as estruturas sejam ampliadas.
— Para escoar a produção, a condição da estrada vem em primeiro lugar. Tendo eficiência logística, os investimentos aparecem. De Esmeralda, podemos levar produtos tanto para o porto de Santa Catarina quanto para o de Rio Grande — explica o gerente de unidade de negócios da Cotrijal no município, Joelso Schneider. — Esse acesso foi bom para a cooperativa, para a população, para a prefeitura e para o Estado em razão da geração de receita.
Temos várias rodovias que já precisavam estar duplicadas, como as RSs 122, 287 e 040. E temos de preservar aquelas que já temos. Não adianta investir em rodovia, mesmo que seja para ligação asfáltica, e depois deixá-la abandonada.
FRANK WOODHEAD
Diretor da Fetransul e conselheiro fiscal do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística do RS
A estimativa da Federação das Empresas de Logística e de Transportes de Cargas do RS (Fetransul) é de que o custo do transporte aumenta de 15% a 25% quando a rodovia não é asfaltada. Frank Woodhead, diretor da entidade e conselheiro fiscal do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística do RS, explica que o chão batido exige manutenção precoce do veículo e faz disparar o consumo de combustível, já que o motorista não consegue manter velocidade constante.