BRASÍLIA, DF E PORTO VELHO, RO (FOLHAPRESS) - O novo superintendente regional do Ibama, o coronel da Polícia Militar Evandro Cunha dos Santos, afirmou que recebeu ordem para interromper a queima de veículos que são flagrados pela fiscalização do órgão cometendo crimes ambientais na Amazônia. A declaração foi dada nesta segunda-feira (9) em audiência pública na cidade de Altamira (PA) organizada pelo ruralista Nabhan Garcia que ocupa, no governo Bolsonaro, a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Santos foi nomeado para a chefia do Ibama paraense no último dia 2 pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Na semana passada, fiscais do Ibama, do ICMBio e agentes da Força Nacional fizeram uma grande operação de repressão a garimpos ilegais na floresta nacional Crepori, no Pará, e queimaram equipamentos, incluindo duas retroescavadeiras, encontrados operando dentro da área protegida por lei.
O policial militar tomou posse na última quarta-feira (4), em Belém. No dia seguinte, convocou uma reunião de apresentação no auditório do órgão ambiental. No discurso, o coronel da PM admitiu que não tem experiência no combate a crimes ambientais, mas que estava lá para aprender, segundo relatos de servidores presentes.
A destruição é autorizada pela legislação ambiental por duas razões principais: a dificuldade de rebocar os equipamentos apreendidos e a possibilidade de ações armadas para resgatar os veículos, como já ocorreu na Amazônia.
Na audiência, o novo superintendente do Ibama disse que recebeu "uma missão". "Eu vim para essa responsabilidade indicado pelo próprio presidente Bolsonaro. Então o ministro Ricardo Salles me chamou lá em Brasília, efetivou o convite e me falou das problemáticas que estavam acontecendo aqui na região como um todo. Bom, quero dizer para vocês o seguinte: eu sou homem de Deus, e homem de Deus não gosta de fogo, quem gosta de fogo é Satanás. Quero dizer o seguinte: fiquem certo, fiquem certo, que isso vai cessar. Vamos trabalhar diuturnamente para acabar com essa problemática de estarem danificando o patrimônio alheio", disse o PM, que foi ovacionado por centenas de pessoas que acompanharam a audiência.
"Quero aqui só reforçar as palavras do nosso ministro Nabhan, que nós vamos sim trabalhar focado para as pessoas do mal, para as pessoas que fazem mal, mas o trabalhador merece respeito e terá o respeito do governo federal. [...] E tenho certeza, o Ibama principalmente. Porque eu sou soldado e eu sei cumprir ordem. A ordem que eu recebi foi para parar com isso daí. Peço um voto de confiança, me deem um tempo que a gente vai resolver esse troço", disse o novo chefe do Ibama.
Na audiência em Altamira, Nabhan também atacou a destruição de equipamentos e anunciou que o governo vai se mobilizar para alterar a legislação em vigor. Ele culpou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) pela existência da lei.
A possibilidade de destruição dos equipamentos apreendidos é aventada na lei ambiental de 1998, governo Fernando Henrique Cardoso, e passou a ser melhor regulamentada e aplicada a partir de 2008, no segundo mandato de Lula.
"Se a lei foi malfeita, é porque alguém elegeu o senhor Lula. [...] Nós vamos trabalhar um decreto-lei, com a força do Congresso Nacional, e com a força de vocês, que o pedido representa o pedido de todo mundo, vamos trabalhar então para ver a possibilidade dessa lei ser alterada", disse Nabhan, que também foi muito aplaudido.
Outro participante da reunião foi o senador Zequinha Marinho (PSC-PA). Ele disse que a maioria dos fiscais do Ibama é de "esquerdistas que odeiam" Bolsonaro. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), criou uma comissão permanente de deputados e senadores para discutir mudanças climáticas.
Os parlamentares elegeram Marinho para presidir a comissão, rompendo um acordo anterior que havia sido anunciado por Alcolumbre, segundo o qual o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) assumiria o comando do colegiado. Marinho é alinhado com projetos da pauta ambiental de Bolsonaro, como o avanço da "regularização fundiária" na região amazônica.
Na audiência, Marinho se dirigiu aos "representantes do Exército, do Ibama e do ICMBio" que também estavam presente, dizendo querer "olho no olho", fazer uma solicitação, para "amigavelmente acertar por aqui". "Converse com seus representantes que evitam as reservas para evitar, daqui para frente, qualquer tipo de queimar qualquer equipamento que seja, qualquer", disse o senador em voz alta. Ele foi ovacionado. O "representante do Exército", que não foi identificado ao microfone, não reagiu.
O senador afirmou que há pessoas sendo "humilhadas" no seu estado. "A humilhação é uma das piores coisas que a gente pode viver. O presidente da República tem recomendado ao Ibama, ao Exército e ao ICMBio que se evite fazer esse tipo de coisa. Lamentavelmente isso não tem ocorrido, há um decreto que permite --não manda, não determina, mas permite-- a inutilização do bem. Mas a maioria desses fiscais que andam pelo interior são esquerdistas e odeiam o presidente Bolsonaro. Por isso nós estamos pedindo audiência com o presidente, vamos conversar pessoalmente para levar a [inaudível]. A humilhação que temos passados todos nós, porque quando vocês [plateia] passam, todos nós passamos. Providências serão tomadas e gente será responsabilizada por aquilo que faz", ameaçou o senador.
Salles tem apostado em PMs distantes da área ambiental ou da realidade amazônica para ocupar cargos-chave. É o caso do diretor de Proteção Ambiental do Ibama, o major da PM de São Paulo Olivaldi Azevedo. Em fevereiro, ele visitou, ao lado de Salles, um plantio de soja ilegal em uma área embargada pelo próprio Ibama, na Terra Indígena Utiariti (MT).
Outro PM paulista, o coronel Homero de Giorge Cerqueira, comanda o ICMBio, órgão responsável pela gestão das unidades de conservação federais.
O município de Altamira é o campeão, em números absolutos, de queimadas na região amazônica, segundo dados do Inpe, com 3.037 focos de incêndio de 1 de janeiro até 8 de setembro.
Outro participante da audiência pública, o prefeito de Uruará (PA) Gilson Bradão (MDB) atacou a demarcação de uma terra dos indígenas arara, a Cachoeira Seca. Ele quer a "revisão" dos limites da terra, que foi demarcada administrativamente em abril de 2016, no governo de Dilma Rousseff.