SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O secretário adjunto de Inteligência e Análises Criminais do Pará, delegado Carlos André Costa, guarda no celular um vídeo em que dois homens se orgulham de ter cometido um assassinato.
Ambos são muito jovens e aparecem no vídeo com armas nas mãos em uma área de mata. Diante do corpo de um homem baleado no rosto, repetem insistentemente para a câmera: "Aqui é CV, tudo nóis (sic)". O morto, conta Costa, é um líder do PCC (Primeiro Comando da Capital) em Ourilândia do Norte, uma pequena cidade do interior do Pará.
Até o início deste ano, Comando Vermelho e o PCC mantinham um acordo tácito de não enfrentamento no Pará. Enquanto a facção criminosa de origem carioca controlava Belém e a rota de distribuição de cocaína que vem da Colômbia e do Peru pelo rio Amazonas, o grupo criminoso paulista tinha sob seu controle o interior paraense.
Aliado à Família do Norte, a facção que domina Manaus e o tráfico de drogas nos rios Solimões e Negro, o Comando Vermelho nunca permitiu que o PCC se instalasse em Belém de forma efetiva. E, até, agora, parecia aceitar a ideia de que os rivais paulistas ficassem com o Sul do Pará.
O status quo, porém, já dava sinais de que não se manteria. E a polícia paraense sabia.
Apesar de o secretário extraordinário para Assuntos Penitenciários do Pará, Jarbas Vasconcelos, afirmar que nenhum relatório de inteligência indicava que um ataque de grandes proporções estava próximo em Altamira, a alta cúpula da segurança paraense já monitorava as ações do Comando Vermelho e sabia que o grupo estava decidido a investir sobre as áreas do PCC.
"Estamos observando um movimento nesse sentido, o Comando Vermelho está indo para o Sul, para as áreas do PCC", disse à Folha o secretário adjunto de Inteligência e Análises Criminais em entrevista no início deste mês.
Logo após mostrar o vídeo do assassinato cometido por dois integrantes da facção de origem carioca, o delegado Costa chegou à mais simples conclusão em um movimento como esse: "Vai haver reação".
Não parece coincidência que o Comando Classe A, a facção criminosa paraense que executou o massacre de Altamira, tenha se aliado recentemente ao Primeiro Comando da Capital. A reação esperada pelo secretario adjunto de Inteligência chegou.
O Pará é um dos estados mais violentos do país. No Atlas da Violência 2019, divulgado pelo Ipea e com dados de 2017, a taxa de homicídios do estado é de 54,68 mortes por 100 mil habitantes, a sexta maior do país.
As razões para tisso são variadas e tão complexas quanto a realidade sócio-econômica e cultural paraense. Mas a posição estratégica do estado no comércio da cocaína, aliada ao processo de nacionalização das facções criminosas do Rio e de São Paulo, ajudam a explicar a explosão de violência nos últimos anos.
"A chegada das facções, há pouco mais de uma década, transformou a organização criminal do estado, que se tornou estratégico para a distribuição da cocaína que vem pelo rio Amazonas para o mercado interno e para o externo", diz Aiala Couto, professor de Geografia da Universidade Estadual do Pará e pesquisador da expansão da violência no estado.
Desde o começo desse processo o Comando Vermelho esteve muito presente no Pará, e em especial, em Belém. "Diferentes chefes do Comando Vermelho foram presos aqui no estado, parece haver uma relação próxima entre a cúpula carioca e os comandantes locais da facção", diz o delegado Costa.
Em novembro do ano passado Marcelo Xará, considerado um dos principais líderes do Comando Vermelho no país, foi preso em uma casa de luxo na área central de Belém.
O saldo de mortes e a forma bárbara com que muitos detentos perderam a vida fazem pressupor que a guerra de facções se acirrará no estado já marcado pela violência e dominado, também, por milícias formadas por policiais e agentes de segurança.
Uma guerra de todos contra todos, como diz o promotor da Justiça Militar do Ministério Público do Pará, Armando Brasil. "Tudo isso é resultado da ausência do Estado", diz ele.
O governador paraense, Helder Barbalho (MDB), filho do decano Jader Barbalho, elegeu-se com a promessa de redução da violência. Comemorou como poucos a queda de 27% no total de homicídios registrados nesse primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano passado.
O massacre desta segunda (29), porém, mostra que os próximos meses talvez não tragam notícias alvissareiras.